Junco chinês
jdact
Portugal encontra a China
«O minúsculo Portugal, a imensa China. Colocados nos extremos da grande
massa continental euro-asiátíca, protagonizaram os primeiros capítulos da
globalização, esse processo de contactos civilizacionais, de trocas comerciais
que terá começado em 1498, com a descoberta por Vasco da Gama do caminho
marítimo para o Oriente.
Desde então que o fluxo geral da História Universal girou nesse sentido,
de Ocidente para Oriente, com todas as relativizações e mal-entendidos que o
processo gerou. Mas as coisas poderiam ter-se passado exactamente ao contrário,
até era de toda a lógica que isso assim tivesse acontecido, o Oriente a caminho
da "descoberta" do Ocidente. Ainda hoje não há explicação cabal para
que tal não ocorresse.
Pode dizer-se que a "Expansão" chinesa começa quase ao mesmo
tempo que a Expansão portuguesa. Se, em 1415, com a conquista de Ceuta, se dá o
início da grande caminhada lusa pelo mundo, dez anos antes, um eunuco ao
serviço do imperador da China, Zhang He (1371-1433), realizava a primeira de
sete viagens para Ocidente. Com navios maiores do que as caravelas, tripulações
de dezenas de milhares de efectivos, preparação técnica e conhecimentos de
marear muito superiores aos da Europa da altura, Zhang He não terá avançado
mais do que aquilo que é hoje a costa norte de Moçambique. Depois, morreu, em
Calicute, 65 anos antes de o Gama lá chegar. As especulações continuam sobre
porque é que a China abandonou as suas expedições marítimas, porque é que Zhang
He não teve continuadores. Desde logo, não havia proselitismo religioso na
empresa chinesa. Depois, nem o imperador nem a corte estavam directamente
empenhados no comércio, actividade que era desprezada pelas elites. Ocupação
territorial, também não estava na agenda. Quanto a curiosidade científica por
novos lugares e novas gentes, ela era também nula, para quem se achava "o
centro do mundo". Então, para que zarpou Zhang He?
Para impressionar os Estados que se serviam do sistema de comércio
tributário comandado pela China, para conseguir novos súbditos para o sistema.
Por outras palavras, desde que os povos vizinhos aceitassem enviar regularmente
uma embaixada de tributo ao imperador (subentendendo a sua superioridade
divina), com presentes o mais raros e valiosos possível, a China ficava
satisfeita. Quando Zhang He chegou à costa oriental da África, deparando-se com
a falta de Estados organizados, logo sem tributários potenciais que
impressionar, a missão chegava ao fim. Esta pode ser, como tantas outras, a explicação.
De qualquer modo, a História fez o seu fluxo de Ocidente para Oriente, mas
tudo o que se vai ler a seguir terá que ser visto com olhos de quem pense:
- as coisas poderiam ter-se passado exactamente ao contrário, uma armada chinesa bem poderia ter aparecido um belo dia no estuário do Tejo, em meados do século XV...
Mas os factos são que, em 1488, Bartolomeu Dias dobra o cabo da Boa Esperança,
provando que as águas do Atlântico e do Índico comunicam entre si. Em
1498,Vasco da Gama chega a Calicute, Índia, 65 anos depois de Zhang He lá ter
morrido. Afonso de Albuquerque conquista Ormuz, no estreito que liga o Índico
ao Golfo Pérsico, (1507), Goa (1510) e Malaca (1511). Os portugueses passam a
controlar o fluxo marítimo do Oriente para o Mediterrâneo, em detrimento do
monopólio até então exercido pelo Império Otomano e pelo seu principal
interface ocidental, Veneza.
Quando Diogo Lopes Sequeira partiu à descoberta de Malaca, em 1508,
levava instruções escritas e precisas de Manuel I sobre o Grão Cataio, a
lendária China de que Marco Pólo e outros viajantes europeus da Idade Média
tinham falado, o monarca português queria saber de onde vinham os
"chins", se era longe, quantas vezes por ano iam a Malaca e outros
locais onde comerciassem, quantos barcos utilizavam, como estavam preparados
militarmente, o modo de vestir, se eram cristãos, se no meio deles havia
muçulmanos, como eram governados, etc.
Desenho do relógio de Tomás Pereira, 1650
Logo nos portos do Norte de Samatra (Sumatra, actual Indonésia), que foram
escalados antes da chegada a Malaca, os portugueses terão contactado com os
chinese, pelo menos, terão recebido porcelanas chinesas de presente por parte
do sultão de Pedir». In Portugal encontra a China, Testemunhos de uma
convivência, Portugal e a China, Uma Ponte com 500 anos, Instituto Camões,
Fundação Oriente, 2004.
Cortesia da F. Oriente/JDACT