terça-feira, 31 de julho de 2012

Recordar. O meu Dia. Poesia. «… Prossegue a música, e eis na minha infância de repente entre mim e o maestro, muro branco, vai e vem a bola, ora um cão verde, ora um cavalo azul com um jockey amarelo…»



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In Memoriam de MLAC e JLT

O Maestro Sacode a Batuta

O maestro sacode a batuta,
  alânguida e triste a música rompe ...

Lembra-me a minha infância, aquele dia
em que eu brincava ao pé dum muro de quintal
atirando-lhe com, uma bola que tinha dum lado
  odeslizar dum cão verde, e do outro lado
um cavalo azul a correr com um jockey amarelo ...

Prossegue a música, e eis na minha infância
de repente entre mim e o maestro, muro branco,
vai e vem a bola, ora um cão verde,
ora um cavalo azul com um jockey amarelo...

Todo o teatro é o meu quintal, a minha infância
está em todos os lugares e a bola vem a tocar música,
uma música triste e vaga que passeia no meu quintal
vestida de cão verde tornando-se jockey amarelo...
(Tão rápida gira a bola entre mim e os músicos...)

Atiro-a de encontra à minha infância e ela
atravessa o teatro todo que está aos meus pés
  abrincar com um jockey amarelo e um cão verde
  eum cavalo azul que aparece por cima do muro
do meu quintal... E a música atira com bolas
  à minha infância... E o muro do quintal é feito de gestos
de batuta e rotações confusas de cães verdes
  ecavalos azuis e jockeys amarelos ...

Todo o teatro é um muro branco de música
por onde um cão verde corre atrás de minha saudade
da minha infância, cavalo azul com um jockey amarelo...

E dum lado para o outro, da direita para a esquerda,
donde há árvores e entre os ramos ao pé da copa
com orquestras a tocar música,
para onde há filas de bolas na loja onde a comprei
  eo homem da loja sorri entre as memórias da minha infância...

E a música cessa como um muro que desaba,
  a bola rola pelo despenhadeiro dos meus sonhos interrompidos,
  e do alto dum cavalo azul, o maestro, jockey amarelo tornando-se preto,
agradece, pousando a batuta em cima da fuga dum muro,
  e curva-se, sorrindo, com uma bola branca em cima da cabeça,
bola branca que lhe desaparece pelas costas abaixo...

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"


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