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‘… só conheci bem o excesso do meu amor quando quis fazer todos os
esforços para me curar dele’
«As ‘Cartas Portuguesas’ não são apenas uma obra-prima. São também, e
não será exagero afirmá-lo, um casso único na literatura universal. Não
queremos referir-nos ao seu valor intrínseco, embora este seio também de
sublinhar. Num tema de larga predominância em todos os géneros de expressão
literária, as famosas “Cartas”
encontraram acentos ímpares em que a veemência e a intensidade da paixão
sobrelevam, pensamos, quanto em todas as latitudes já foi escrito.
Mas a esta característica de intensidade haverá que juntar algo de maís
importante:
a ‘navidade’ do amor que ali se exprime. De facto, não é apenas um amor
maior aquilo que ressalta das páginas ardentes em que a pobre freira abandonada
vaza os segredos do seu coração. E um amor diferente, uma forma diferente de
amar, em que muitos julgam entrever a caracterização da alma do povo que lhe
deu origem. Se (…) pôde ver ali uma paixão como nunca houve mais nobre, mais
grave nem mais ardente, nós lembramos a expressão de Júlio Dantas pela boca de
um dos seus personagens: ‘Como é diferente o amor em Portugal!’
Trata-se, com efeito, de um Amor com ‘marcas’ novas, o amor da dedicação
total, o amor em que a totalidade do ser se encontra empenhada, o amor extremo
em que o pensamento do ‘outro’ é o valor a que se reportam e se subordinam
todas as opções, o amor em que o eu praticamente se aniquila, encontrando a sua
subsistência apenas no dar-se, no estar para… ‘Amo-te perdidamente’, escreve a
certa altura a autora das “Cartas”, e
respeito-te o bastante para não ousar talvez desejar que sejas atingido pelos
mesmos arrebatamentos [...] Se eu já, não posso remediar os meus males, como
poderia suportar a dor que me dariam os teus e que me seriam mil vezes maís
dolorosos?’ E mais adiante: ‘Sou tão ciumenta da minha paixão, que até me parece
que todas as minhas acções e que todos os meus deveres a ti se referem’.
Mas para quê acumular citações? Todas e cada uma das páginas das “Cartas” poderiam constituir uma única e
longa citação onde se pode ler a maneira portuguesa de amar, um dos traços
característicos da maneira portuguesa de estar no mundo e de encarar a vida.
Ora., é justamente aqui, se tentarmos definir o poema de amor que são
as “Cartas Portuguesas” como
testemunho do carácter e da mentalidade portuguesa, que surge o problema da
autenticidade das “Cartas”. E também aqui o problema, apresenta características
especialíssimas e julgamos serem únicas». In Soror Mariana Alcoforado, Cartas
Portuguesas, texto da primeira edição francesa de 1669, Europa América, 1974.
Cortesia de P. Europa-América/José Ruy/ JDACT