«Uma destas cópias foi encontrada em Itália, na biblioteca do conde
Brancuti, e está hoje na Biblioteca Nacional de Portugal; a outra, na
Biblioteca do Vaticano. Ambas pertenceram ao humanista italiano Angelo Colloci
(1467-1549). Destes três Cancioneiros – o da Ajuda, o da Vaticana e o da Biblioteca
Nacional -, o mais antigo e o mais incompleto é, como dissemos, o da Ajuda, que contém unicamente poemas ‘de
amor’ anteriores ao fim do reinado de Afonso III, época em que deve ter sido
compilado. Os outros dois incluem não só a grande parte do material reunido no
códice da Ajuda, mas ainda obras produzidas até muito mais tarde (até 1340,
pelo menos) e de outros géneros: cantares de amigo e cantares satíricos,
chamados de escárnio e maldizer. O Cancioneiro
da Biblioteca Nacional é o mais completo porque reúne todas as poesias
contidas no da Vaticana e muitas
outras que ali faltam. O valor especial do Cancioneiro da Ajuda vem de ser o
único contemporâneo da época trovadoresca, ao passo que os outros dois são cópias
muito incorrectas feitas na Itália, quase dois séculos depois da compilação
original.
A tradição dos jograis galegos nas cortes hispânicas
O projecto de reunir num códice de luxo as composições dos poetas da
corte é um grande acontecimento na história cultural portuguesa. Mas o hábito
de versejar vinha de mais longe. Uma grande parte das composições reunidas nos
cancioneiros são-lhe muito anteriores. O mais antigo trovador conhecido, João
Soares de Paiva, nasceu poucos anos depois da batalha de Ourique, sendo
portanto ainda contemporâneo do primeiro rei de Portugal. O filho e sucessor deste
rei, Sancho, casado com uma princesa de Aragão, irmã de Berenguer IV (trovador
e grande protector de trovadores provençais), compôs provavelmente um cantar de
amigo e teve jograis na corte.
Um destes usava o nome de.Bonamis e outro o de Acompaniado. E já antes
do monarca Dinis o culto das Musas parecia hereditário na família real
portuguesa, porque um bastardo de Sancho, filho também da mulher a quem é
dedicado o seu cantar de amigo, versejou a uma dama que se encontrava em
Montemor, provavelmente por ocasião do cerco de 1213.
Os jograis galegos ou galego-portugueses são anteriores à fundação da
monarquia portuguesa. Pertencia à corte de Afonso VII e ocupava nela um lugar
honroso o jogral Pallea (Palha), que vimos corroborar um foral em 1136. E, no
fim deste século ou começo do seguinte, o galego-português é conhecido dos
poetas cultos da cristandade como uma das quatro ou cinco línguas em que se
versejava à maneira provençal.
Entre 1195 e 1202, na corte de Bonifácio de Montferrat, no Piemonte, o
poeta provençal Raimbaut de Vaqueiras, querendo decerto ostentar a sua
erudição, compôs um poema em cinco línguas, provençal, francês, italiano,
gascão e galego-português. O galego-português representa aqui toda a Península
Ibérica, excepto Aragão, onde se trovava em provençal e se falava uma língua
muito afim da do outro lado dos Pirenéus. Esta composição confirma a existência
de jograis galego-portugueses, pelo menos, algumas décadas antes.
Os Provençais foram os mestres dos trovadores da Península Ibérica. A
Provença e a Catalunha eram regiões culturalmente afins, nem sempre divididas
por fronteiras políticas. Os trovadores que transpunham os Pirenéus facilmente
se faziam ouvir nas cortes aragonesas, onde eram protegidos e premiados». In António José Saraiva, O Crepúsculo da Idade Média em Portugal, Gradiva
Publicações, Lisboa, 1998, ISBN 972-662-157-7.
Cortesia de Gradiva/JDACT