«Não sabemos que tenha havido censura preventiva, (a que obriga o
escrito, antes de sair à luz do dia, a ir à mesa do examinador que o pode
autorizar ou proibir, em Portugal antes do estabelecimento da Inquisição
(maldita), em 1536. Nos finais do século XV, os papas Sisto IV e Inocêncio
VIII, diversos bispos e universidades, como a de Colónia, e os de Mogúncia e Wurzburg,
exigem a aprovação para os livros antes de eles saírem da tipografia. Aparece
também, por essa altura, a imprimatur
nalguns livros, em Espanha, Veneza e Colónia, sinal de que o livro havia sido revisto
e passara as malhas.
No dia 1 de Junho de 1501, a constituição Inter Multiplices, expedida por Alexandre VI, dirige-se particularmente
às províncias eclesiásticas de Colónia, Mogúncia, Treves e Magdeburg. Impõe aos
impressores locais, sob pena de excomunhão, o dever estrito de submeter à
censura do ordinário qualquer texto que fosse confiado à imprensa.
Essa constituição aplicava-se a determinadas dioceses; mas, em Espanha,
no dia 8 de Junho de 1502, os Reis Católicos assinam em Toledo as famosas ‘Pragmáticas
del Reyno’ em que mandam e proíbem ‘aos livreiros e impressores’ que ‘não
ouseis fazer, nem imprimir de molde nenhum livro de nenhuma faculdade ou
leitura, ou obra que seja pequena ou grande em latim ou em romance, sem que
primeiramente hajais para ela nossa licença ou especial mandado, ou das pessoas
que para tal tenham nosso mandato’.
Note-se que a Inquisição (maldita) estava em Espanha desde antes da
conquista de Granada. Em Portugal, só em 1534 nos aparece um projecto de alvará
de João III, de 23 de Dezembro desse ano, em que Alfredo Pimenta vê uma censura
civil, mas em que I. Révah não encontra mais do que um privilégio, por dez
anos, a favor de Simão Fernandes para imprimir um ‘Regimento da Arte de Navegar’.
A imprensa entrara em Portugal bastante tarde. Nem entre nós surgem
grandes dificuldades nos primeiros anos do século XVI, por essa actividade
tipográfica ser relativamente reduzida. Por outro lado, os perigos e questões
da fé que agitavam certos Estados europeus e se comunicavam à Espanha,
interessada na partilha da Europa, não dão mostra de terem tido grande eco
entre nós. Lutero contesta a autoridade pontifícia em 1517, a propósito da pregação
das indulgências. A polémica teológica torna-se logo em disputa política, com a
adesão de uns príncipes aos Reformadores e outros defendendo a unidade da fé,
como garantia do seu poder e autoridade.
Quando João III estabelece em Portugal a Inquisição (maldita) é para
preservar o reino, não só contra o judaísmo, expulsos que haviam sido os judeus
em 1495, mas para evitar também a propagação das seitas luteranas e outras,
empenhadas no livre arbítrio e consequentemente pondo em perigo, não só a
autoridade do pontífice, mas a autoridade real. Daí o cuidado que deve rodear a
escolha dos professores, chamados do estrangeiro, ou para preceptores de príncipes
ou para ensinarem na Universidade e, depois, no Colégio das Artes. Torna-se
necessário peneirar bem as opiniões, as doutrinas dos mestres, e também trancar
a fronteira às suas obras e examinar atentamente os livros que se imprimem». In
Raul Rego, Os Índices Expurgatórios e a Cultura, Biblioteca Breve, Pensamento e
Ciência, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1982.
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