domingo, 11 de novembro de 2012

A História Mítica da Cultura Portuguesa. Leituras. Dalila Pereira Costa. «Se as experiências mítica e poética, e igualmente a do sonho, permanecem numa específica esfera da individualidade, a experiência saudosa, comunicada e partilhada, transfigurada simbolicamente em momentos civilizacionais ou obras do espírito, torna-se fundamento “duma sabedoria nacional”, sabedoria dúplice…»

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«A saudade é uma via de salvação pelo conhecimento e ascese. A um tempo por despojamento e amor. Por despojamento e amor à terra por amor ao céu. Por despojamento e amor ao tempo por amor à eternidade. Na impregnação da terra pelo céu e do tempo pela eternidade, como união recíproca, no final identidade. Assim, saudade como “tempo (...) transmutado em eternidade”, António Braz Teixeira comenta lucidamente numa síntese muito clara:
  • A saudade não constitui, por isso, uma forma de conhecimento desinteressado nem uma doutrina ou organização sistemática do conhecimento ou do saber, sendo antes, um meio de libertação, um saber de salvação’.
Para a pensadora portuense, a saudade é uma das formas superiores da dialéctica platónica, como ascensão do mundo na pura emoção até à iluminação, à visão suprema, de natureza intuitiva, cujos efeitos são, como os do amor platónico, os de uma iniciação, que liberta do que há de individual no sujeito, o abre à revelação de um mistério e o conduz à sabedoria absoluta, projectando-o para fora do tempo e do devir. Deste modo, estatuindo-se como espiritualidade vivida, projectando o seu doce-amargo sofrimento em reminiscências de origem metafísica e sobrenatural, a saudade cria, na espiral dos seus ciclos históricos, obras de arte e obras civilizacionais que se constituem como a “sua dimensão imanente”, como, por exemplo, as “Capelas Imperfeitas” ou Menina e Moça, de Bernardim Ribeiro:
  • A saudade é uma mediadora; faz a ligação entre passado e futuro, terra e céu, morte e vida, homem e Deus, em movimentos de direcção recíproca ou intermutável, ou indiscernível, como idas e vindas fechando-se em círculo.
Porque a sua natureza é angélica. Como descida ou inserção do divino no humano, em que hierarquia então a colocar?. Aqui nele anunciando, proclamando em doce canto de trompetas celestes, a natureza dos anjos. Como um vínculo substancial anamnésico e emotivo, de carácter gnósico místico-intuitivo, a saudade opera a ponte metafísica ou espiritual na mente dos portugueses entre imanência e transcendência ao longo de toda a sua história, seja unindo separando, os fenómenos históricos dos Descobrimentos, da Colonização e da Imigração, seja separando e unindo, as obras de arte em que a saudade se exprime. Ser saudoso é, assim, participar de um “ser em trânsito”, de uma permanente “passagem”, que apenas “morre na morte”, anulando-se e realizando-se. Assumir a saudade é assumir o “tempo”, fixando-o em forma de eternidade, anulando passado e presente, ou, como António Braz Teixeira esclarece, Dalila Pereira da Costa vincula aspectos da sua teoria à tradição platónica e neo-platónica sobre a saudade:
  • Deste modo, segundo o pensamento de Dalila Pereira da Costa, a eternidade é o tempo na sua realidade imaculada, guardada no seio divino, como Todo e Nada, assim como tempo será a eternidade maculada, depois de ter sofrido a Queda. Como mediadora que intrínseca e essencialmente é, a saudade é a força de regresso ao Paraíso, é movimento reintegrador, libertador, salvador e ascendente inverso da Queda, que reconduz o homem e a natureza, como seres criados, existindo na dualidade do tempo e do espaço, à sua natureza ou estado primeiro, àquela essencial unidade que a Queda quebrou ou cindiu’.
Assunção da totalidade do tempo, a saudade torna-se acto intuitivo de “experiência feito”, ascese de sensibilidade à alma individual, e desta “em direcção ao plano superior” de “transcendência humana”, “como o céu ou a salvação”. Como conhecimento, a saudade dilui a racionalidade numa gnose espiritual de salvação que apaga individualidades ônticas, comungando-se da visão directa e imediata do Ser:
  • O conhecimento da verdade nasce duma experiência espiritual; assim, ele será próprio e intransferível, mas a sua verdade não sendo subjectivamente arbitrária, será possível de incessantemente ser testada por outros. Num conhecimento que se multiplicará e sempre se confirmará, pelas sucessivas e unânimes experiências postas em comum’.

Se as experiências mítica e poética, e igualmente a do sonho, permanecem numa específica esfera da individualidade, a experiência saudosa, comunicada e partilhada, transfigurada simbolicamente em momentos civilizacionais ou obras do espírito, torna-se fundamento “duma sabedoria nacional”, sabedoria dúplice, que ora perde Portugal num adormecimento passivo, melancólico, um “desinteresse ou sono”, numa espécie de queda imanente na História, ora salva Portugal, reintegrando o seu ser temporal no ser da saudade, projectando a sua força anímica e concentrando os seus arquétipos numa “nova eclosão” originadora da busca de mundos novos, como, por exemplo, nos Descobrimentos». In Dalila Pereira da Costa, A História Mítica da Cultura Portuguesa, Wikipedia.

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