A América Antecolombiana
«Entre os egípcios, gregos
e romanos, hebreus e árabes já havia a tradição de que, além da Europa e da África,
no extremo do Oceano Atlântico existia um grande continente. Platão falou da Atlântica,
imensa ilha para lá das colunas de Hércules e do Oceano, e cujos limites eram desconhecidos.
NOTA: Os três capítulos que
constituem este opúsculo foram escritos para serem incorporados nos estudos
preliminares do IV volume da Descrição Geral
e Histórica das Moedas cunhadas em nome dos Reis, Regentes e Governadores de
Portugal.
Plutarco também dá
alguns indícios da existência do vasto continente, e pelas inscrições púnicas que
se têm encontrado, parece que os cartagineses ali aportaram. As últimas
investigações feitas nos terrenos da América levam a acreditar que a antiguidade
do seu continente é maior que a do europeu. Nas escavações tem-se encontrado grande
quantidade de ossos humanos, e de outros animais no estado fóssil e perfeitamente
conservados. Quando os europeus lá desembarcaram nos fins do século XV as suas aldeias
eram populosas e tinham uma certa civilização que tem caminhado numa decadência
progressiva. A arqueologia decifrando os seus hieroglíficos e estudando os grandiosos
monumentos, principalmente as ruínas dos seus templos, cada vez se compenetra mais
d’esta verdade.
A história da América antes
da viagem de Colombo está-se escrevendo; e as repetidas investigações científicas
vão sucessivamente dando esperanças de satisfatórios resultados. O fim deste opúsculo
não permite largas considerações sobre tão interessantes assuntos e obriga-nos a
indicações muito resumidas.
António Ribeiro Santos diz
que no breve de Gregório IV, dos últimos anos do século IX, dirigido a Santo Anscario,
arcebispo de Hamburgo, se nomeia a Gronlandon,
Groenlândia
(Terra Verde), e que os antigos escandinavos
fizeram em 874 uma expedição à Islândia, e desta ilha facilmente passaram à Groenlândia
e à América Septentrional, onde estabeleceram colónias na Flórida e Canadá.
O mesmo erudito escritor
acrescenta que com este descobrimento devia ter lugar o de alguma das Antilias ou Antilhas, pertencentes ao
Novo Continente, e cita como documento o mapa ou planisfério de André Biancho, datado
de 1436, visto por Villoison, membro da Academia real das inscrições e belas letras,
que assim o descreve:
- ‘O manuscriplo italiano, n.° 76, da biblioteca de S. Marcos de Veneza, contém uma carta marítima, desenhada com muita exactidão, composta de dez folhas. N’esta carta achava-se uma das Antilhas, demarcada pela mesma mão, e vê-se escripto com o mesmo caracter de letra - Isola Antillia -, o que é tanto mais notável quanto vemos que o descobrimento das Antilhas se attribue a Christovam Colombo em 1492. Espantado d'esta singularidade, fiz copiar muito exactamente á minha vista esta preciosa carta, e a enviei em 1781 a Mr. o conde de Vergennes’.
A carta foi publicada em
1782 na Gazeta de Gotha (publicada em 1817 no tomo V, parte I das Memórias
da Academia Real das Ciências de Lisboa, tendo por título Do conhecimento que era possível ter da
existência da América pela tradição dos antigos, etc. no capítulo II trata
especialmente Da verosimilhança de alguma
navegação para as partes da América antes de Cólon e Magalhães).
Alexandre de Humboldt observou
ama carta de marcar, existente na biblioteca do grão-duque de Weimar, feita em 1424
por Ancontiniano, nome que muito custou a ler, representando 87 léguas marítimas
ao ocidente dos Açores, á parte septentrional da ilha Antilia, e para o seu norte
mais duas ilhas. O mesmo sábio analisou também na biblioteca de Parma o mapa-múndi
do genovês Bechario, datado de Julho de 1435, onde estão marcadas ao poente dos
Açores as três ilhas indicadas por Ancontiniano, chamando-se à maior e mais meridional
Antilia,
e descreve outras mais pequenas, e por baixo tem - Insulle de nono Reperte - (Ilhas ultimamente descobertas).
Paulo dal Pozzo Toscanelli
devia ter conhecido estas cartas, e, talvez, de alguma delas se servisse para as
informações que forneceu ao cónego Fernando Martins, em carta de 25 de Junho de
1474, e na outra que ipsis verbis, dirigiu pouco depois em
resposta a Cristóvão Colombo. Aí vem o erro geográfico das costas da Ásia confinarem
com as costas ocidentais da África, erro de que o genovês nunca se emancipou.
No globo de Martim de
Bohemia, datado de 1492, está marcada a ilha Antilha. Humboldt também atribuiu
a descoberta das primeiras terras da América aos escandinavos, que a ocuparam no
século X e parte do XI. Esta opinião já havia sido escrita por Torfason na sua
obra publicada em 1707. Mas estes sábios não tiveram à sua disposição os documentos
comprovativos para autenticarem a sua opinião. Estava reservado à Sociedade dos antiquários do norte
reivindicar a glória dos seus antepassados, esclarecendo a história pelas minuciosas
investigações nos manuscritos arquivados nas bibliotecas do norte, e pelas
importantes escavações nos terrenos que haviam ocupado.
Esta sociedade publicou em
1837 a obra intitulada Antiquitates Americanae
sive scriptores sptentrionales rerum ante-columbianarum in America, studio et opera
C. C. Rafn, secretário da mesma sociedade. A publicação desta obra deu lugar a várias
comunicações muito interessantes, que foram transcritas em vários números das Memórias
da Sociedade.
O minucioso trabalho de Rafn,
foi traduzido em várias línguas, e forma um volume in-4.° com 526 paginas, 8 fac-similes,
representando laudas ou fragmentos de antigos manuscritos das bibliotecas do norte,
quatro mapas geográficos, e seis gravuras com muitas investigações arqueológicas
e geográficas intercaladas com excelentes observações criticas.
O livro demonstra que o descobrimento
da América septentrional no século X pelos escandinavos foi um dos sucessos mais
notáveis da historia do mundo. O autor para vulgarizar os seus estudos publicou
um resumo do seu trabalho, que intitulou - Memória sobre o descobrimento da
América no século X, e dividiu-a nos seguintes capítulos:
- Viagem de Biarne Heriulfson em 986;
- Descobrimento de Leif Éricson e primeiro estabelecimento na Vinlandia;
- Expedição de Thorwald Éricson a regiões mais meridionais;
- Desgraçada empresa de Thorstein Éricson;
- Estabelecimento de Thorfinn na Vinlandia;
- Viagens de Freydisa, Helge e Finnboge. Estabelecimento de Thorfinn na Islândia;
- Observações críticas sobre as noticias anteriores. Geografia e hidrografia;
- Clima e solo;
- Produção. Historia natural;
- […]
- Descobrimentos nas regiões árcticas da América;
- Terra Nova descoberta segunda vez pelos Islandeses;
- Viagem a Markland em 1347.
E termina: «Depois de assim estudados os documentos autênticos, todos reconhecerão
como um facto histórico, que durante os séculos X e XI os antigos escandinavos descobriram
e visitaram uma grande parte das costas orientais da América do Norte, e convencem
que as relações entre os dois países subsistiram durante os séculos seguintes».
In
A. C. Teixeira de Aragão, Breve Notícia sobre o Descobrimento da América, Mckew
Parr Collection, Maggellan, BrandeisUniversity (Lo que nos importa), Tipografia
da Academia Real das Ciências, Lisboa, 1892.
Cortesia de Academia das
Ciências/JDACT