‘A Matemática surgiu com o despertar da alma humana, mas não surgiu com
fins utilitários. Foi a ânsia de resolver o mistério do Universo que lhe deu o
primeiro impulso.O seu verdadeiro desenvolvimento resultou, em primeiro lugar,
do esforço em penetrar e compreender o infinito. O progresso material dos
homens depende das pesquisas abstractas ou científicas do presente, e será aos
homens da ciência, que trabalham para fins puramente científicos sem nenhum
intuito de aplicação das suas doutrinas, que a humanidade ficará devedora em
tempos futuros. Quando o matemático efectua os seus cálculos, ou procura novas
relações entre os números, não busca a verdade para fins utilitários. Cultivar
a ciência pela utilidade prática, imediata, é desvirtuar a alma da própria
ciência!’ In Malba Tahan.
Nota histórica 1
Carl Friedrich Gaus s
(1777-1855) afirmou que ‘a Matemática
é a rainha das ciências e a Teoria dos Números é a rainha da Matemática’.
Três séculos antes de Carl Friedrich Gauss ter proferido tal afirmação, GasparNicolas, aritmético português,
afirmou, no “Tratado da Pratica
Darismetyca”, com base no pensamento de um aritmético italiano, que a
aritmética é o fundamento de todas as outras ciências que ‘a aritmética é a senhora das outras ciências
porque abre as portas do entendimento e imprime um desejo de natural
especulação’.
Este tratado foi o
primeiro livro de matemática impresso em Portugal e acabou de se imprimir em 15
de Novembro de 1519. Gaspar
dedicou-o a Rodrigo, conde de Tentúgal, com uma dedicatória, cujo início é uma
citação de Aristóteles (384 -322 a.C.), extraída da obra ‘A Metafísica, Livro A, 1’,
que diz o seguinte:
- ‘Todos os homens desejam naturalmente saber’;
- Gaspar Nicolas era de opinião de que a aritmética é ‘nível e regra de todas as outras artes’ e a prática aritmética é ‘coisa mui necessária nestes reinos e senhorios de Portugal por bem de em eles florescerem os tratos das mercadorias da Índia e Pérsia e Arábia e Etiópia e outras partes mais chegadas a nós’.
Por isso se decidiu ‘a fazer e compor este breve tratado de
Arismetyca por estilo mui claro para que facilmente possa aproveitar e aproveite
aos que o virem e lerem’. Nele, Nicolas ensina as regras de somar,
subtrair, multiplicar e dividir números inteiros e fraccionários e também
ensina a extrair raízes quadradas de números inteiros e a somar certas
progressões. Refere-se, com ligeireza, a raízes cúbicas. Aplica a regra de três
simples na resolução de diversos problemas. E trata de muitos outros assuntos.
Segundo o grande matemático Gomes
Teixeira (1851 -193 3), na sua ‘História
das Matemáticas em Portugal’, o Tratado de Gaspar Nicolas foi reeditado em 1530, 1541, 1573, 1594, 1613 e
1679.
Há quem diga que Nicolas aproveitou alguns problemas
incluídos por frei Lucas Pacioli em algumas das suas obras. E frei Paciolinão
aproveitou, também, problemas de obras de autores anteriores? Leonardo Bigollo
Pisano ou Leonardo Fibonacci (Fibonacci significa filho de Bonácio) escreveu,
em 1225, “LiberQuadratorum”, “O Livro dos Quadrados”, ao qual
frei Lucas Pacioli foi buscar muitos problemas. Leonardo Fibonacci escreveu
várias obras, mas a mais importante terá sido “Liber Abaci”, “O
Livro de Ábaco”. Este
livro, escrito em 1202 e reescrito em 1228, deu um grande contributo para a
generalização e uso da numeração árabe, na realidade, numeração indiana na Europa.
Contém diversos problemas, alguns dos quais fruto de uma adaptação de problemas
incluídos no papiro conhecido como ‘Papiro
de ahmés’ ou ‘Papiro de Rhind’,
que se encontra no Museu Britânico, escrito pelo escriba egípcio Ahmés, nascido a 1550 a.C.
Mestre Benedetto da
Firenza escreveu uma aritmética com o título ‘Inchomincia et trattato darismetricha cerca de 1460, na qual
descreve a relação entre a aritmética e as necessidades mercantis da cidade onde
nasceu, mas tal obra nunca foi impressa. Em muitos países da Europa, nos
séculos XV e XVI, o interesse pela educação aumentou com o Renascimento, com a
intensificação das actividades comerciais e com os descobrimentos. Por isso,
tornou-se imprescindível o aparecimento de livros de aritmética, para facilitar
as operações comerciais.
O livro mais antigo de
aritmética, de que há conhecimento, chamava-se “Aritmética de Treviso”, e foi publicado na cidade de Treviso,
norte de Itália, no ano de 1478. Para além das tendências predominantemente
comerciais, continha alguns problemas de carácter recreativo. Desconhece-se o
autor. Treviso era uma cidade comercial importante, que ficava a um dia de
viagem de Veneza. Foram instaladas, naquela cidade, três tipografias, à época
designadas de imprensas. Uma delas, pertença de Manzolo ou Manzolino,
imprimiu essa aritmética. Piero Borghi escreveu outra aritmética comercial, a
qual foi publicada no ano de 1484, em Veneza.
Há autores que
consideram esta obra como a aritmética comercial italiana mais notável daquele
século. Foram publicadas 17 edições, tendo sido a última em 1557. No ano de
1491 Filippo Calandri fez aparecer, em Florença, uma aritmética, a qual continha
o primeiro exemplo impresso sobre o algoritmo da divisão.
Na Alemanha
publicaram-se algumas aritméticas, cujos autores foram, em 1489, Johann Widman,
em 1514, Jacob Köbel e em 1522, Adam Riese. No ano de 1522 foi publicado, na
Inglaterra, o primerio livro dedicado exclusivamente à matemática. Trata-se de uma
aritmética em latim, de autoria de Cuthbert Tonstall (1474-1559). Robert
Recorde (1510-1558) escreveu pelo menos cinquenta livros, em inglês. O
primeiro, pomposamente intitulado ‘The
Ground of Arts’, era uma
aritmética, cuja publicação foi por volta de 1542, a qual teve, no mínimo, 29
edições. Todas as publicações deste autor foram baseadas na obra de Pacioli ‘Summa de Arithmetica, Geometria,
Proportioni et Proportionalita’».
In Armando Araújo, Matemática Lúdica, A Cultura é a única
bagagem que não ocupa espaço, mas nem todos a podem transportar, AMBA, 2003.
continua
Com a amizade do Armando
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