segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Matemática Lúdica. Notas históricas… Armando Araújo. «… a prática aritmética é ‘coisa mui necessária nestes reinos e senhorios de Portugal por bem de em eles florescerem os tratos das mercadorias da Índia e Pérsia e Arábia e Etiópia e outras partes mais chegadas a nós’»

Cortesia de wikipedia

A Matemática surgiu com o despertar da alma humana, mas não surgiu com fins utilitários. Foi a ânsia de resolver o mistério do Universo que lhe deu o primeiro impulso.O seu verdadeiro desenvolvimento resultou, em primeiro lugar, do esforço em penetrar e compreender o infinito. O progresso material dos homens depende das pesquisas abstractas ou científicas do presente, e será aos homens da ciência, que trabalham para fins puramente científicos sem nenhum intuito de aplicação das suas doutrinas, que a humanidade ficará devedora em tempos futuros. Quando o matemático efectua os seus cálculos, ou procura novas relações entre os números, não busca a verdade para fins utilitários. Cultivar a ciência pela utilidade prática, imediata, é desvirtuar a alma da própria ciência!’ In Malba Tahan.

Nota histórica 1
Carl Friedrich Gaus s (1777-1855) afirmou que ‘a Matemática é a rainha das ciências e a Teoria dos Números é a rainha da Matemática’. Três séculos antes de Carl Friedrich Gauss ter proferido tal afirmação, GasparNicolas, aritmético português, afirmou, no “Tratado da Pratica Darismetyca”, com base no pensamento de um aritmético italiano, que a aritmética é o fundamento de todas as outras ciências que ‘a aritmética é a senhora das outras ciências porque abre as portas do entendimento e imprime um desejo de natural especulação’.
Este tratado foi o primeiro livro de matemática impresso em Portugal e acabou de se imprimir em 15 de Novembro de 1519. Gaspar dedicou-o a Rodrigo, conde de Tentúgal, com uma dedicatória, cujo início é uma citação de Aristóteles (384 -322 a.C.), extraída da obra ‘A Metafísica, Livro A, 1’, que diz o seguinte:
  • ‘Todos os homens desejam naturalmente saber’;
  • Gaspar Nicolas era de opinião de que a aritmética é ‘nível e regra de todas as outras artes’ e a prática aritmética é ‘coisa mui necessária nestes reinos e senhorios de Portugal por bem de em eles florescerem os tratos das mercadorias da Índia e Pérsia e Arábia e Etiópia e outras partes mais chegadas a nós.
Por isso se decidiu ‘a fazer e compor este breve tratado de Arismetyca por estilo mui claro para que facilmente possa aproveitar e aproveite aos que o virem e lerem’. Nele, Nicolas ensina as regras de somar, subtrair, multiplicar e dividir números inteiros e fraccionários e também ensina a extrair raízes quadradas de números inteiros e a somar certas progressões. Refere-se, com ligeireza, a raízes cúbicas. Aplica a regra de três simples na resolução de diversos problemas. E trata de muitos outros assuntos. Segundo o grande matemático Gomes Teixeira (1851 -193 3), na sua ‘História das Matemáticas em Portugal’, o Tratado de Gaspar Nicolas foi reeditado em 1530, 1541, 1573, 1594, 1613 e 1679.
Há quem diga que Nicolas aproveitou alguns problemas incluídos por frei Lucas Pacioli em algumas das suas obras. E frei Paciolinão aproveitou, também, problemas de obras de autores anteriores? Leonardo Bigollo Pisano ou Leonardo Fibonacci (Fibonacci significa filho de Bonácio) escreveu, em 1225, “LiberQuadratorum”, “O Livro dos Quadrados, ao qual frei Lucas Pacioli foi buscar muitos problemas. Leonardo Fibonacci escreveu várias obras, mas a mais importante terá sido “Liber Abaci”, “O Livro de Ábaco. Este livro, escrito em 1202 e reescrito em 1228, deu um grande contributo para a generalização e uso da numeração árabe, na realidade, numeração indiana na Europa. Contém diversos problemas, alguns dos quais fruto de uma adaptação de problemas incluídos no papiro conhecido como ‘Papiro de ahmés’ ou ‘Papiro de Rhind’, que se encontra no Museu Britânico, escrito pelo escriba egípcio Ahmés, nascido a 1550 a.C.



Mestre Benedetto da Firenza escreveu uma aritmética com o título ‘Inchomincia et trattato darismetricha cerca de 1460, na qual descreve a relação entre a aritmética e as necessidades mercantis da cidade onde nasceu, mas tal obra nunca foi impressa. Em muitos países da Europa, nos séculos XV e XVI, o interesse pela educação aumentou com o Renascimento, com a intensificação das actividades comerciais e com os descobrimentos. Por isso, tornou-se imprescindível o aparecimento de livros de aritmética, para facilitar as operações comerciais.
O livro mais antigo de aritmética, de que há conhecimento, chamava-se “Aritmética de Treviso”, e foi publicado na cidade de Treviso, norte de Itália, no ano de 1478. Para além das tendências predominantemente comerciais, continha alguns problemas de carácter recreativo. Desconhece-se o autor. Treviso era uma cidade comercial importante, que ficava a um dia de viagem de Veneza. Foram instaladas, naquela cidade, três tipografias, à época designadas de imprensas. Uma delas, pertença de Manzolo ou Manzolino, imprimiu essa aritmética. Piero Borghi escreveu outra aritmética comercial, a qual foi publicada no ano de 1484, em Veneza.
Há autores que consideram esta obra como a aritmética comercial italiana mais notável daquele século. Foram publicadas 17 edições, tendo sido a última em 1557. No ano de 1491 Filippo Calandri fez aparecer, em Florença, uma aritmética, a qual continha o primeiro exemplo impresso sobre o algoritmo da divisão.
Na Alemanha publicaram-se algumas aritméticas, cujos autores foram, em 1489, Johann Widman, em 1514, Jacob Köbel e em 1522, Adam Riese. No ano de 1522 foi publicado, na Inglaterra, o primerio livro dedicado exclusivamente à matemática. Trata-se de uma aritmética em latim, de autoria de Cuthbert Tonstall (1474-1559). Robert Recorde (1510-1558) escreveu pelo menos cinquenta livros, em inglês. O primeiro, pomposamente intitulado ‘The Ground of Arts, era uma aritmética, cuja publicação foi por volta de 1542, a qual teve, no mínimo, 29 edições. Todas as publicações deste autor foram baseadas na obra de Pacioli ‘Summa de Arithmetica, Geometria, Proportioni et Proportionalita’».

In Armando Araújo, Matemática Lúdica, A Cultura é a única bagagem que não ocupa espaço, mas nem todos a podem transportar, AMBA, 2003.

continua
Com a amizade do Armando
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