«Mas eu não inferira que Naomi era a mulher mais bonita do mundo. A
verdade é que havia muitas mulheres mais bonitas que ela entre as jovens por
quem passava no eléctrico, nos corredores do Teatro Imperial e no Ginza. Se a
aparência de Naomi viria a aperfeiçoar-se era algo que só o tempo diria;
naquela altura tinha só quinze anos, e eu antecipava o seu futuro com
expectativa e preocupação. O meu plano inicial, na época, era simplesmente
tomar a menina a meu cargo e olhar por ela. Por um lado, era motivado pela pena
que tinha dela. Por outro, queria imprimir uma certa mudança ao meu dia-a-dia insípido
e monótono. Estava farto de viver há anos numa casa de hóspedes; ansiava por um
pouco de colorido e de animação na minha vida. Com efeito, porque não construir
uma casa, pensei, mesmo que fosse pequena? Decoraria os quartos, plantaria
flores, penduraria uma gaiola com um passarinho na varanda soalheira, e
contrataria uma rapariga para cozinhar e fazer as limpezas. E, se Naomi
aceitasse vir, tomaria não só o lugar da rapariga como o do passarinho... Em
linhas gerais, era isto que eu tinha em mente.
Nesse caso, porque não arranjava eu uma noiva que fosse de uma família
respeitável e não montava casa de acordo com as regras? Aresposta é que me
faltava simplesmente coragem para me casar. Isto requer uma explicação pormenorizada.
Eu era uma pessoa de bom senso que não gostava de agir de modo precipitado, na
verdade, era incapaz de o fazer; no entanto, tinha opiniões muito inovadoras e
sofisticadas acerca do casamento. As pessoas têm tendência para ficar muito
empertigadas e cerimoniosas quando alguém fala em ‘casamento’.
Primeiro, tem de haver um ‘leva-e-traz’,que
tenta saber, com rodeios, o que pensam as duas partes. Depois, combina-se um miai,
um encontro formal das duas partes. Se nenhuma delas tiver nada a objectar, escolhe-se
um intermediário oficial, trocam-se prendas de noivado, e o enxoval da noiva é
levado para casa do noivo. Depois há o cortejo nupcial, a viagem de lua-de-mel
e a visita da noiva aos pais, que faz parte do cerimonial, uma série de
formalidades muito cansativa, que me desagradava por completo. Se me casar,
pensava eu, gostaria de o fazer de maneira mais simples e menos convencional.
Depois do Banho, 1917, Itö Shinsui
jdact
Naquela altura, Se me tivesse querido casar, teria havido um número
indefinido de candidatas. É verdade que eu era do campo, mas tinha uma
constituição forte, conduta irrepreensível, e. se me é permitido dizê-lo, era
pelo menos medianamente bem-parecido, além de ter o aval da minha empresa.
Qualquer uma se teria sentido satisfeita por me amparar. Porém, o que é facto é
que eu não queria ser ‘amparado’.
Mesmo que uma mulher seja uma grande beldade, um ou dois miai não são suficientes
para que potenciais parceiros possam conhecer o temperamento e o carácter um do
outro. A ideia de escolher a minha companheira para a vida com base numa
impressão casual, Bem, era capaz de viver
com aquela, ou, Não é nada feia é
demasiado ridícula. Não era capaz de o fazer. A melhor solução seria levar uma
rapariga como Naomi para minha casa e observar pacientemente o seu crescimento.
Mais tarde, se gostasse do que visse, podia casar-me com ela. Isto seria o suficiente;
eu não estava interessado em casar com a filha de um homem rico, nem com uma
mulher do tipo fina e educada». In Junichirö Tanizaki, Naomi (Chijin No Ai,
1924), Relógio D’Água, 2007, Lisboa, ISBN 978-972-708-943-7.
Cortesia de Relógio D’Água/JDACT