quarta-feira, 7 de novembro de 2012

O Computador Interior. Malcolm Gladwell. «Penso que todos nós, inatamente, suspeitamos deste tipo de conhecimento rápido. Vivemos num mundo que assume que a qualidade da decisão está directamente relacionada com o tempo e o esforço necessários para a tomar»


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O Computador interior
«Uma pessoa que observa um vídeo mudo de dois segundos de um professor que nunca viu chegará a conclusões sobre a qualidade do professor muito parecidas com as do estudante que frequentou as suas aulas durante um semestre inteiro. É esse o poder do nosso inconsciente adaptável. Pode ser que o leitor tenha feito a mesma coisa, consciente disso ou não, quando pegou neste livro pela primeira vez. Teve-o nas mãos durante quanto tempo? Dois segundos? Contudo, nesse curto período de tempo o aspecto da capa, as associações que possa ter feito com o meu nome e as primeiras frases sobre o kouros, tudo isso gerou uma impressão, uma revoada de pensamentos, imagens e preconceitos, que fundamentalmente formou o modo como leu esta apresentação até aqui. Não sente curiosidade em saber o que aconteceu durante esses dois segundos?
Penso que todos nós, inatamente, suspeitamos deste tipo de conhecimento rápido. Vivemos num mundo que assume que a qualidade da decisão está directamente relacionada com o tempo e o esforço necessários para a tomar. Quando um médico se vê perante um diagnóstico difícil, pede mais exames, e quando não confiamos no que ele nos está a dizer, pedimos a opinião de outro médico. E o que é que dizemos aos nossos filhos? A pressa é inimiga da perfeição. Pense bem, antes de se arriscar. Páre para pensar. Não avalie um livro pela capa. Acreditamos que é sempre melhor acumular a maior quantidade possível de informação e despender a maior quantidade de tempo possível a deliberar. Na realidade, só confiamos nas decisões conscientes. Porém, há alturas, particularmente nos momentos de tensão, em que a rapidez não é má, em que uma avaliação instantânea e uma primeira impressão podem proporcionar a melhor maneira de perceber o mundo. A primeira tarefa deste livro é convencê-lo de um facto muito simples: as decisões tomadas rapidamente podem ser tão boas como as decisões tomadas com cautela e deliberação.
Contudo, Blink! não é apenas um panegírico do poder da olhadela rápida. Também contempla as situações em que os instintos nos atraiçoam. Por exemplo, porque é que o Getty comprou o kouros, se ele era tão obviamente falso, ou, pelo menos, problemático? Porque é que os especialistas do museu não tiveram também um sentimento intuitivo de repulsa durante os 14 meses em que estudaram a peça? Esse é o grande enigma do que aconteceu no Getty, e a resposta é que essas sensações foram contrariadas. Isso deve-se em parte à aparente probidade dos dados científicos (o geólogo Stanley Margolis estava tão convencido da sua própria análise, que publicou uma longa descrição do método na revista Scientific American).Porém, foi sobretudo porque o pessoal do Getty queria muito que a estátua fosse verdadeira. É um museu recente, desejoso de adquirir uma colecção com qualidade mundial, e o kouros era uma descoberta tão extraordinária que os especialistas não prestaram atenção aos seus próprios instintos.
Ernst Langlotz, um dos maiores especialistas mundiais em escultura arcaica, perguntou uma vez ao historiador de arte George Ortiz se queria comprar determinada estatueta de bronze. Ortiz viu a peça e ficou espantado; para ele, na sua mente, era claramente uma falsificação, cheia de elementos contraditórios, sobrepostos com um certo desleixo. Então como é que Langlotz, um dos especialistas que, em todo o mundo, mais sabem de estátuas gregas, podia ter sido enganado? A explicação do próprio Ortiz é que Langlotz deve ter comprado a escultura quando era ainda jovem, antes de ter adquirido os seus extensos conhecimentos.
 - Penso que Langlotz se apaixonou por aquela peça, disse Ortiz. Para um jovem é fácil apaixonar-se pela sua primeira compra, e talvez aquele tenha sido o seu primeiro amor. Independentemente dos seus inacreditáveis conhecimentos, era óbvio que ele não conseguia pôr em dúvida a sua primeira avaliação». In Malcolm Gladwell, Blink, Publicações Dom Quixote, 2006, ISBN 978-972-20-4079-2.

Cortesia D. Quixote/JDACT