O Computador interior
«Uma pessoa que observa um vídeo mudo de dois segundos de um professor
que nunca viu chegará a conclusões sobre a qualidade do professor muito
parecidas com as do estudante que frequentou as suas aulas durante um semestre
inteiro. É esse o poder do nosso inconsciente adaptável. Pode ser que o leitor tenha
feito a mesma coisa, consciente disso ou não, quando pegou neste livro pela
primeira vez. Teve-o nas mãos durante quanto tempo? Dois segundos? Contudo,
nesse curto período de tempo o aspecto da capa, as associações que possa ter
feito com o meu nome e as primeiras frases sobre o kouros, tudo isso gerou
uma impressão, uma revoada de pensamentos, imagens e preconceitos, que
fundamentalmente formou o modo como leu esta apresentação até aqui. Não sente
curiosidade em saber o que aconteceu durante esses dois segundos?
Penso que todos nós, inatamente, suspeitamos deste tipo de conhecimento
rápido. Vivemos num mundo que assume que a qualidade da decisão está
directamente relacionada com o tempo e o esforço necessários para a tomar. Quando
um médico se vê perante um diagnóstico difícil, pede mais exames, e quando não
confiamos no que ele nos está a dizer, pedimos a opinião de outro médico. E o
que é que dizemos aos nossos filhos? A pressa é inimiga da perfeição. Pense
bem, antes de se arriscar. Páre para pensar. Não avalie um livro pela
capa. Acreditamos que é sempre melhor acumular a maior quantidade possível de
informação e despender a maior quantidade de tempo possível a deliberar. Na
realidade, só confiamos nas decisões conscientes. Porém, há alturas,
particularmente nos momentos de tensão, em que a rapidez não é má, em que uma
avaliação instantânea e uma primeira impressão podem proporcionar a melhor
maneira de perceber o mundo. A primeira tarefa deste livro é convencê-lo de um
facto muito simples: as decisões tomadas rapidamente podem ser tão boas como as
decisões tomadas com cautela e deliberação.
Contudo, Blink! não é apenas um panegírico do poder da olhadela rápida.
Também contempla as situações em que os instintos nos atraiçoam. Por exemplo,
porque é que o Getty comprou o kouros, se ele era tão obviamente
falso, ou, pelo menos, problemático? Porque é que os especialistas do museu não
tiveram também um sentimento intuitivo de repulsa durante os 14 meses em que
estudaram a peça? Esse é o grande enigma do que aconteceu no Getty, e a resposta
é que essas sensações foram contrariadas. Isso deve-se em parte à aparente
probidade dos dados científicos (o geólogo Stanley Margolis estava tão
convencido da sua própria análise, que publicou uma longa descrição do método
na revista Scientific American).Porém,
foi sobretudo porque o pessoal do Getty queria muito que a estátua fosse verdadeira.
É um museu recente, desejoso de adquirir uma colecção com qualidade mundial, e
o kouros
era uma descoberta tão extraordinária que os especialistas não prestaram
atenção aos seus próprios instintos.
Ernst Langlotz, um dos maiores especialistas mundiais em escultura
arcaica, perguntou uma vez ao historiador de arte George Ortiz se queria
comprar determinada estatueta de bronze. Ortiz viu a peça e ficou espantado;
para ele, na sua mente, era claramente uma falsificação, cheia de elementos
contraditórios, sobrepostos com um certo desleixo. Então como é que Langlotz, um
dos especialistas que, em todo o mundo, mais sabem de estátuas gregas, podia
ter sido enganado? A explicação do próprio Ortiz é que Langlotz deve ter
comprado a escultura quando era ainda jovem, antes de ter adquirido os seus
extensos conhecimentos.
- Penso que Langlotz se
apaixonou por aquela peça, disse Ortiz. Para um jovem é fácil apaixonar-se pela
sua primeira compra, e talvez aquele tenha sido o seu primeiro amor.
Independentemente dos seus inacreditáveis conhecimentos, era óbvio que ele não
conseguia pôr em dúvida a sua primeira avaliação». In Malcolm Gladwell, Blink, Publicações Dom
Quixote, 2006, ISBN 978-972-20-4079-2.
Cortesia D. Quixote/JDACT