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Com a amizade da LC e
a memória do amigo APCM
«Por vezes, lendo a História Naval Portuguesa, temos tido
oportunidade de constatar a existência de importantes e decisivos acontecimentos,
que foram muito dignificantes para a Marinha, verdadeiramente exemplares, onde
transparecem notáveis actos de valentia, óptimas qualidades profissionais e de
comando e uma perfeita aplicação da arte e da ciência marítimas, mas que, por
causas fortuitas e desconhecidas, não vieram ao conhecimento da nossa
Corporação, apresentando um retrato deturpado do que, na realidade, tenha
ocorrido.
Noutras ocasiões, esses factos, aparecem laconicamente mencionados,
ou distorcidos, não se referindo as razões porque ocorreram, nem se indicando
os mais importantes pormenores relacionados com esses eventos.
Surge, assim, frequentemente, uma situação de injustiça, por
certo involuntária, que nos leva a considerar a grande conveniência de tentar
um melhor conhecimento público desses acontecimentos, procurando
aproximarmo-nos dos desejos apresentados na curiosa citação, que escolhemos
para apresentação deste singelo trabalho.
Encontra-se neste caso, uma simples notícia cronológica,
apresentada pelo vice-almirante Vicente Almeida d'Eça, magnífico ‘Lente da Escola Naval’, consagrado
escritor militar naval e eminente ‘académico’,
nas :suas extraordinárias ‘Lições de História Marítima Geral, 1894’,
do teor seguinte:
- ‘1874, naufrágio da escuna “Príncipe Carlos” e canhoeira “Camões” em Macau’.
Com efeito, da leitura desta curta informação, poderá surgir
um vasto campo de dúvidas e de interrogações, pois nada se regista sobre as
causas, as consequências e as responsabilidades de tão importante ocorrência,
verificada há cerca de onze décadas. Certos, como estávamos, das reconhecidas
qualidades militares e profissionais dos nossos oficiais, sargentos e
marinheiros, decidimos estudar o assunto com maior detalhe no sentido de que
esse acidente marítimo ficasse inteiramente esclarecido.
Depois de cuidadosa busca, foi-nos possível colher alguns
interessantes dados, os quais nos levaram a concluir, como se presumia, que no
referido naufrágio, longe de se registar qualquer culpabilidade, singular ou
colectiva, se tinham confirmado, exuberantemente, aqueles predicados, com
notável destaque para a coragem, decisão e competência do pessoal da Armada Portuguesa,
objectivo prioritário dos nossos modestos escritos nesta prestigiosa e centenária
revista militar naval. Deste modo, seguidamente, tentaremos informar os nossos
leitores sobre este interessante assunto.
Determinação das Causas dos Naufrágios
Naturalmente, que conhecedor do Extremo-Oriente fui, desde
logo, levado a considerar que aquele sinistro marítimo deveria ter sido causado
pelo perigoso inimigo dos marinheiros e dos pescadores do Mar da China, o temível tufão, que, em determinadas
épocas do ano, Junho a Outubro, assola com grande violência os portos de Macau
e de Hong-Kong.
Assim, consultando vários livros e muita documentação manuscrita
coeva, existente no Arquivo Geral de Marinha, foi-nos possível verificar que no
ano de 1874, o porto de Macau foi assolado por um fortíssimo tufão, o mais
devastador de todos os tempos, com extraordinários prejuízos, tanto no mar como
em terra.
jdact e cortesia de macauantigo
No seu livro ‘Tufões que Assolaram Macau’, 1957, Agostinho
Pereira Natário, ex-IM, descrevendo um tufão ocorrido em 22 de Setembro
de 1874, escreve:
- ‘Formou-se no Pacífico a E das Filipinas, deslocou-se para WNW, atravessou Luzon e atingiu o Continente entre Macau e Hong-Kong. Foi o tufão mais violento de que há memória, ocasionando milhares de vítimas e prejuízos no valor de um milhão de patacas. As povoações de Taipa e Coloane quase que desapareceram. Pressão mínima: 709 mm’, isto é, 945,2 hPa, digo eu.
Embora não se referisse ao naufrágio dos dois referidos
navios de guerra, esta fidedigna fonte de informação indicava na sua bibliografia
os Boletins Oficiais da Província de Macau e de Timor, nos quais,
laconicamente, se registavam os efeitos do citado tufão sobre os navios da
Estação Naval da China, sediada em Macau. Com efeito, no Boletim nº 41/26-9-1874
era publicada a seguinte notícia:
‘Na noite de 22 para
23 de Setembro do corrente ano, o maior tufão de que há memória não só em Macau,
mas nestas paragens, destruiu a maior parte desta cidade, bem como as povoações
das ilhas da Taipa e de Coloane. O mar, crescendo muito, e invadindo com grande
violência todo o litoral, aumentou a destruição, e três incêndios que se deram
nessa ocasião, lavrando com intensidade, contribuíram também para enormes
perdas de vidas e de propriedades. Numerosos piratas, aproveitando, como de
costume, a confusão e a desolação geral, tentaram saquear os barcos que davam à
costa e muitas casas da cidade, de modo que a polícia tinha de combater ao mesmo
tempo o progresso dos incêndios e as correrias dos piratas...
(...)
Entre os europeus há a
lamentar a perda de três praças do Batalhão, mas entre os chinas e, principalmente
no mar, há milhares de vítimas. Os edifícios públicos ficaram alguns destruídos
de todo. A maior parte das casas da Praia Grande foram destruídas ou muito
prejudicadas pela violência do choque das vagas. Muita artilharia das fortalezas
do litoral foi arrastada para o mar depois de destruídas as muralhas. Dos
milhares de barcos chineses que se achavam nos portos, poucos aparecem, mas
abundam nas margens fragmentos deles e os corpos dos seus tripulantes. A Escuna
‘Príncipe D. Carlos’, foi perder-se a 12 milhas de Macau, jazendo desconjuntada
nuns campos incultos a grande distância do mar. A ‘Camões’ foi também encalhar
em sítio onde nunca houve navegação. Salvaram-se felizmente as tripulações. A ‘Tejo’
conservou-se admiravelmente nas suas amarrações e não sofreu prejuízos’.
Os amigos António Viseu e Olavo Rasquinho
In Pedro Fragoso Matos, O Maior Tufão de Macau, Separata dos Anais do
Clube Militar Naval, Lisboa, 1985.
continua
Cortesia do amigo António Pedro (†)
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