«[…] ao longo das ruas
estavam estátuas e muitas pinturas alusivas ao cerco de Diu, entrou sob um
riquíssimo pálio, e mandou fazer expressamente um arco triunfal, como os de
Roma que celebraram Tito ou outro grande general vitorioso. Mas houve formas
distintas de evocar os feitos heróicos do vice-rei, nem sempre com a precisão
do registo histórico é certo, formas plásticas, de entre as quais se destacam a
série de tapeçarias que lhe foi dedicada, da qual se guardam dez exemplares no
Museu de História da Arte de Viena de Áustria, e de que conhecemos outra que é
de um particular português.
Ainda dentro do campo
das Artes Plásticas, as façanhas do vice-rei João de Castro inspiraram outros
autores, como o que pintou as belíssimas iluminuras da obra de Jerónimo
Corte-Real, intitulado Sucesso do
Segundo Cerco de Diu, estando dom Ioham de Mascarenhas por Capitam e Gvovernador
da Fortaleza, Anno de 1546, cujo original está guardado no Arquivo
Nacional da Torre do Tombo. João de Castro aparece referenciado como exemplo de
elevação e relevo moral, duro para consigo próprio, vivendo asceticamente, a
par dos seus soldados, mas exigindo sempre o tratamento e as galas e honras
devidas quando em representação de el-rei.
Não podemos esquecer uma
escultura de madeira representando o vice-rei, que um dia encontrámos no
estrangeiro, e que conseguimos que um amigo e coleccionado comprasse e
trouxesse para Portugal, e serviu para os cartazes da exposição que teve lugar
no edifício da Alfândega do Porto, em 1998.
Um dos episódios mais
conhecidos sua curta vida de João de Castro, foi o facto de ter cortado as
próprias barbas e de as ter enviado, num cofre, à Câmara da cidade de Goa, para
que lhe fosse emprestado dinheiro, para a reconstrução das muralhas de Diu. Não
esqueçamos que as barbas longas eram, ao tempo, um sinal exterior de
importância, dignidade e alto estatuto. Depois da dura batalha, em que tanto se
empenhou pessoalmente, e na qual morreu o seu filho Fernando, e tendo ficado os
muros da cidade completamente destruídos, mandou o arquitecto Francisco Pires edificar
novos baluartes, fossos e cortinas, ao modo que se fizera em Ceuta, que o mesmo
é dizer, abaluartados e segundo os processos introduzidos nessa praça
magrebina, bem como nas vizinhas de Mazagão e Tânger, por Benedetto de Ravena.
Como fosse necessário dinheiro para pagar aos trabalhadores e para comprar
mantimentos, decidiu pedir um empréstimo de 20.000 pardaus à cidade de Goa, mas
como não tinha nada de valioso para dar como penhor, mandou desenterrar os
ossos do seu filho Fernando, que morrera na defesa de Diu, quando foi em seu
socorro. No entanto, estando ainda os seus ossos por gastar, optou por cortar
publicamente as barbas, metê-las numa caixa de marfim branco e enviá-as às
autoridades goesas, por mão de Diogo Rodrigues de Azevedo.
Lembremos esta passagem
da crónica da autoria do seu neto, com as palavras postas na boca do próprio
vice-rei:
- “…Eu mandei desenterrar D. Fernando, meu filho, que os mouros mataram nesta fortaleza pelejando por serviço de Deus e de el-rei nosso senhor, para vos mandar empenhar os seus ossos, mas acharam-no de tal maneira que não foi lícito ainda agora de o tirar à terra, pelo que não me ficou outropenhor salvo as minhas próprias barbas que vos aqui mando por Diogo Rodrigues de Azevedo, porque, como já deveis ter sabido, eu não possuo ouro, nem prata, nem móvel, nem cousa alguma de raíz, por onde vos possa segurar vossas fazendas, somente uma verdade seca e breve de que me Nosso Senhor deu…”
A série de tapeçarias cujo tema são os seus feitos, uma “crónica plástica”, como lhe chamou Vasco Graça Moura, designação que Fernando Checa também usou para designar as que relatam a Tomada de Tunes por Carlos V, e que são praticamente contemporâneas, ou um pouco anteriores, estão repletas de alegorias, de evocações de factos reais, e também do seu apego ao que era exótico, na perspectiva do homem europeu. São tantos os pormenores da paisagem, dos animais, das plantas e dos hábitos orientais, e as acções estão tão próximas dos relatos escritos, que na elaboração do programa iconográfico teve que participar, e com um papel fundamental, alguém que tenha vivido por dentro esses acontecimentos, e não estamos a ver ninguém mais indicado do que Álvaro de Castro. A heroicização de João de Castro, a elevação da sua figura por iniciativa dos seus descendentes, se foram eles que encomendaram a série de panos de armar, nobilitavam-nos a eles mesmos. Temos assim, uma junção de um plano meramente histórico com outro claramente simbólico e alegórico, que não foi caso único em obras quinhentistas do género. A hipótese mais plausível é que a encomenda fosse feita por Álvaro de Castro. Depois de algumas dificuldades por que passou após a morte do pai, foi enviado para França como embaixador, onde esteve entre 1559 e 1562, e mais tarde para Roma, e esteve envolvido durante anos, entre outras, nas negociações para o casamento do rei Sebastião com Margarida de Valois, como se sabe uma diligência frustrada». In Pedro Dias, Uma Tapeçaria Inédita da Série dos feitos de D. João de Castro, A importação de esculturas de Itália nos séculos XV e XVI, Coimbra, 1987.
continua
Cortesia de Wikipedia/JDACT