segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

As Maçãs Azuis. Portugal e Goa 1948 – 1961. Edila Gaitonde. «A “catástrofe”, como a notícia veio a ser considerada, foi longamente discutida e foi enviada uma carta com urgência para Portugal com a desaprovação total da família. Não podes destruir o bom nome dos nossos antepassados, não podes casar fora da tua casta, não podes casar com uma estrangeira»


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«O jovem saudou primeiro os pais, curvando-se num namaste e tocando nos pés de cada um, como que a pedir a bênção. Depois repetiu o mesmo com todos os membros da família e amigos, recebendo os presentes que cada um lhe ia oferecendo. Poucos dias depois da cerimónia, Lica deixava a casa paterna para começar a segunda fase da sua educação, mas, em vez de ir para o asbram, como era costume, foi para o colégio António José de Almeida. o desejo de seguir medicina veio dar-lhe mais tarde a oportunidade de admissão na Escola Médica, em Pangim, a mais antiga de toda a Ásia, que sempre seguiu as linhas da medicina ocidental.
Depois de se formar, Pundlik embarcou para Portugal com o fim de repetir o curso em Lisboa e especializar-se em cirurgia, deixando o pai com o entendimento de que voltaria para casar com uma rapariga brâmane, segundo a escolha do pai, como ditava a velha tradição. Chegou a Lisboa cerca de cinco anos antes da minha partida dos Açores. A coincidência da inesperada doença de uma amiga veio juntar-nos. A mútua atracção foi instantânea.
Para ambos, os anos que se seguiram foram de intenso trabalho. Só depois de completarmos os estudos, Lica em cirurgia e eu estagiária no Liceu Pedro Nunes, é que começámos a pensar numa relação mais estável. O romance continuava cada vez mais intenso e pensávamos a sério no casamento. Cada um de nós tinha feito uma promessa que, com o tempo e a separação, acabara por se esvair nas memórias de um passado que nos parecia já longínquo... Agora queríamos simplesmente selar o nosso romance com o casamento para iniciarmos uma nova vida. Este desejo seria hoje a coisa mais simples do mundo, mas naquele tempo não. Nunca quando tal união ia contra os princípios básicos de duas culturas totalmente diferentes.
Lica levou imenso tempo e muitas noites sem dormir até ganhar coragem para dar a notícia ao pai. Como se temia, a reacção foi de tal magnitude que nos chocou a todos. Foi como se o mundo se tivesse desmoronado debaixo dos nossos pés. No nosso amor um pelo outro, tínhamos esquecido completamente a dor que causaríamos ao pai, o cabeça-de-casal de uma famfília brâmane. Íamos destruir, uma tradição religiosa e uma maneira de viver que tinha perdurado, livre de influências exteriores, desde tempos imemoriais.
Depois de receber a desastrosa proposta do nosso casamento, Mangueshbab foi até Mormugão consultar o irmão, que era reitor no Railway School. A catástrofe, como a notícia veio a ser considerada, foi longamente discutida e foi enviada uma carta com urgência para Portugal com a desaprovação total da família:
  • não podes destruir o bom nome dos nossos antepassados, não podes casar fora da tua casta, não podes casar com uma estrangeira.
Eram estas as frases constantemente repetidas.
A partir de então, as visitas a Mormugão tornaram-se semanais e depois de cada uma delas era enviada uma carta terrivelmente depressiva». In Edila Gaitonde, As Maçãs Azuis. Portugal e Goa 1948 – 1961, Editorial Tágide, F. Oriente, 2011, ISBN 978-989-95179-9-8.

Cortesia de E. Tágide/JDACT