«Logo de início num poema, dedicado a S. Paulo o nosso primeiro ermitão,
é descrita a forma de vida, de vestir e hábitos do santo. A figura que pretende
ser a da lua é simultaneamente a representação de um rosto que poderá ser de S.
Paulo. Quase no fim do manuscrito aparece uma figura de S. Paulo, de joelhos,
orando e cingido por um cinto verde que corresponde à descrição feita no poema.
A referência a S. Paulo feita de forma tão conspícua deve-se ao facto
de o manuscrito ter saído, muito provavelmente, das mãos de um monge ou de monges
do
Mosteiro dos Eremitas de S. Paulo da Serra de Ossa, local onde foi escrito.
Várias vezes ao longo do texto, não totalmente interpretado, vem
referido o Mosteiro. No Capítulo Regra para saber tirar o horizonte do
astrolábio o Mosteiro é citado nestes termos:
- ... Estando na serra de Ossa no mosteiro de S. Paulo primeiro ermitão, onde este foi fabricado, o qual tem 38 graus de altura do pólo...
O Mosteiro é muito antigo, é referida a sua fundação no século II. Com
a invasão sarracena foi extinto. A reconquista trouxe com Fernão Annes,
cavaleiro de Afonso Henriques, a fundação de novos mosteiros dos chamados Pobres
da Pobre Vida ou Pobres de Jesus Crucificado nomes
usados até 1578, altura em que uma bula aprova para os filhos da angélica vida
do Grande S. Paulo Thebeo, Mestre, autor e original puríssimo de todos os eremitas
a Ordem de São Paulo Eremita.
Impresso em Lisboa por Pedro Craesbeeck, em 1617, reedição de um outro
de 1594 o Livro da Regra de Sancto Agostinho e das Constituições perpétuas dos
religiosos pobres hermitãos da serra Dossa da Ordem de Sam Paulo primeiro hermitam,
livro dispõe no Cap. IV:
- “Como na religião não haja outro tesouro mais precioso que os livros aptos para estudo ordenamos que nenhum Reitor, ainda que todo o convento consinta, dê, venda, aliene ou empenhe algum livro ou livros da livraria comum”.
Esta interessante disposição e outros elementos indicam ser possível
haver em 1593, no Mosteiro de S. Paulo, capacidade técnica para execução de tão
belo documento para além de saber associado a uma biblioteca bem recheada de
obras de referência e recentes que permitiram ao autor(es) escrever este
manuscrito. Embora não sejam feitas quaisquer referências é evidente o recurso
a outras obras ou às mesmas fontes que os autores destas tiveram, uma vez que
alguns textos e imagens foram integralmente copiados. O Breve compendio de
La Esfera y de la arte de navegar con nuevos instrumentos y reglas ejemplificados
con las más sutiles demostraciones editado em Sevilha em 1551 e escrito por
Martín Cortés (1510-1582), espanhol, é uma das obras de que o autor de Lembranças,
que nunca cita fontes, se socorre com alguma frequência, copiando textos inteiros
e gravuras. Martín Cortés no final da sua obra escreve:
- Los nombres de los autores y autoridades qse alegã en esta obra son los sigientes. Referindo, do Antigo Testamento - 11; do Novo Testamento - 6; Doutores santos - 14; Doutores teológicos - 16; Diversos autores – 109; Entre os autores citados está Pedro Apiano, o autor do Astronomicum Caesareum.
Quanto à data tudo leva a crer estar certa a declarada no título, 1593,
os gráficos e tabelas inseridas confirmam esta possibilidade. À primeira vista
o observador deste manuscrito fica maravilhado, eu fiquei, com a beleza do
mesmo. Acredito que uma obra destas tem de ser observada de vários pontos de
vista e um deles é a sua componente estética. A grafia, típica da época, é
facilmente legível. Parte do texto e legenda de algumas gravuras está em latim.
Muito do texto contém símbolos gráficos usados em astrologia para referir os
astros e suas posições relativas. Os assuntos foram estruturados pelo índice,
embora aqui e ali haja saltos e não seja facilmente perceptível a ordem e
lógica dos mesmos». In Carlos Zuzarte Rôlo, Fábula, O Ms 440, revista Plátano, Revista de
Arte e Crítica de Portalegre, nº 4, 2008, Fórmula Gráfica.
continua
Cortesia de Plátano/JDACT