quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Jorge de Melo em Portalegre. O bispo, a história e a Arte. Manuel Inácio Pestana. «Sabe-se comprovadamente que Jorge de Melo fora forçado a aceitar o bispado em troca da famosa e proveitosa “Abadia de Alcobaça”, pois esta a cobiçara a rainha D. Maria para seu filho Afonso…»


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«Pouco se sabe, tanto quanto seria desejável, a respeito de Jorge de Melo. Não está feita a biografia completa. Dados disponíveis são apenas notas, algumas notas, e registos dos estudiosos da história da Igreja em Portugal, donde os coordenadores de enciclopédias e dicionários históricos retiram os apontamentos mínimos para informarem de modo genérico o público curioso.
Carece-nos a nós próprios o tempo para atenta e dilatada investigação, de modo que esta proposta não será mais que uma reflexão sem outras pretensões que não sejam as de relembrar o homem que, vindo de terras distantes, legou a Portalegre um importante património cultural. Das linhas biográficas, aliás muito elementares, que lhe dedicou na sua obra Évora Ilustrada o padre António Franco, que para a sua cidade se esforçou denodadamente e, às vezes, com evidente exagero e correndo riscos, por atrair glórias e virtudes, declara-o natural da capital transtagana, notícias que apenas reencontramos em Gama e Castro, praticamente redigidas nos mesmos termos.
Na verdade, àquela cidade estão ligados os Melos da Casa Cadaval, e são estes os da linha do bispo Jorge. Uma sua parente, D. Joana de Melo, monja e abadessa bernarda do Convento de Portalegre, é tida por vários autores como igualmente natural de Évora. Não se estranhará, pois, aceitar-se para o bispo Jorge a mesma pátria alentejana. É das crónicas, designadamente das páginas da Alcobaça Ilustrada que Jorge de Melo, feito bispo da Guarda em 1519, se recusou a tomar assento nesta cidade, atribuindo-se-lhe a desculpa de que não queria viver na terra onde matavam os bispos, alusão clara à morte violenta do bispo Álvares de Chaves, apunhalado no ano de 1496 por um seu criado que pretendia, e conseguiu, arrebatar-lhe as chaves do cofre episcopal.
Sabe-se comprovadamente que Jorge de Melo fora forçado a aceitar o bispado em troca da famosa e proveitosa Abadia de Alcobaça, pois esta a cobiçara a rainha D. Maria para seu filho Afonso, com cuja acomodação na vida muito se preocupou e para o qual, quando ainda não atingira os 8 anos de idade, já alcançara os bispados de Évora e de Viseu, um cardinalato, o arcebispado de Lisboa e o priorado do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. De facto, embora titular também do bispado da Guarda, a abadia de Alcobaça representava honrarias especiais e benefícios de grande vulto. Abade perpétuo do mais rico convento do país seria, além de particularíssimo privilégio, segura garantia de um futuro tranquilo. Eram, na realidade, extraordinárias, no sentido mais exacto desta expressão, as benemerências dos abades daquele mosteiro cisterciense:
  • acumulavam os títulos, e correspondentes rendas e prerrogativas, de fronteiros-mores das suas terras e alfândegas do mar, de esmoleres-mores;
  • o direito, com seus criados, a aposentadoria por onde quer que se deslocassem, em tudo segundo se praticava com as pessoas reais; 
  • isenção de sisas e portagens; propriedade e rendimentos dos riquíssimos coutos anexos, etc, etc.
Por tudo isto e pela ilustração, prestígio e respeitabilidade eclesiástica e social do cargo, muito bem instalado se sentiria nele Jorge de Melo desde o momento em que o seu protector Jorge da Costa, cardeal de Alpedrinha e bispo de Frassati, assim o houvera por bem e o determinara em Roma no ano de 1505 ao renunciar, ofendido que estava pela desfeita de el-rei João II que aceitara a eleição de frei João Claro na sucessão alcobacense de frei Isidoro de Portalegre. Manifestara o cardeal particular estima por Jorge de Melo, que entretanto em Roma se passeava sem alarde, fidalgo nobilíssimo dos deste apelido, o qual assistia na cidade pontifícia como filho segundo para se acomodar pelo eclesiástico, provavelmente à espera de uma oportunidade.
Seu nome secular era Simão, filho de Garcia de Melo, alcaide-mor de Serpa, e de D. Filipa Pereira da Silva e teve como irmãos Jorge de Melo, monteiro-mor que foi de D. João III, Henrique de Melo, o primogénito, alcaide-mor na sucessão do título paterno, sobrinho do alcaide-mor de Olivença Martim Afonso de Melo, senhor de Ferreira, origem da Casa dos Duques de Cadaval. Do seu protector de Roma, teria provavelmente Simão de Melo retirado e aproveitado o primeiro antropónimo, talvez, quem sabe?, como demonstração de admiração e reconhecimento.
Retomemos, porém, a sequência biográfica para afirmarmos a convicção, aliás subscrita por diversos autores de que Jorge de Melo se recusara a entrar na cidade da Guarda, espírito atrabiliário que era e sempre mal disposto, relata Fortunato de Almeida, certamente mais violento que melancólico, para demonstrar a sua contrariedade pela imposta nomeação prelatícia, e nessa sua disposição se fundamentará a intencional ausência para lugares distantes, os mais distantes, da diocese, primeiro, segundo se crê, para Abrantes e pouco depois para Portalegre, em definitivo». In Ibn Maruán, Manuel Inácio Pestana, Revista Cultural do Concelho de Marvão, Coordenação de Jorge Oliveira, nº 4, 1994.

continua
Cortesia da CM de Marvão/JDACT