A Governação dos Áustrias em Portugal
Filipe II e o Tribunal do Santo Ofício (maldito): Um momento de “graça” entre ambos os poderes
«A partir de 1588, após
um período áureo, entre 1579-1588, em que a monarquia espanhola se consolidou
em termos políticos e religiosos, o declínio pessoal e político de Filipe II
teve início. Porém, manteve-se a sua “obsessão” com a Inquisição
(maldita). Embora possamos ser tentados a ver neste vasto conjunto de medidas
um apoio absoluto e incondicional de Filipe II à Inquisição (maldita), o que
levou o monarca a decidir sempre em favor da instituição, em detrimento das
autoridades seculares e eclesiásticas, Antonio Domínguez Ortiz, apesar de não
refutar a tese de que o monarca deu força à instituição, o Conselho da Suprema,
por exemplo, gozou de prerrogativas que nunca os outros conselhos tinham tido,
chamou a atenção para dois aspectos essenciais: por um lado, o reinado de
Filipe II não foi monolítico e dentro da sua substancial homogeneidade houve
matizes de alcance apreciável; por outro, o monarca tinha consciência dos
abusos da Inquisição (maldita) em matéria de jurisdição civil e dos prejuízos e
injustiças que daí advinham, razão pela qual mesmo quando no final do seu
reinado decidia a favor do Tribunal fazia-o com pesar e com comentários em que
transparecia a sua indignação e descontentamento.
A subida de Filipe II ao
trono de Portugal verificou-se precisamente neste momento de implementação de
uma política religiosa mais severa e de um forte apoio do poder real à
Inquisição (maldita). Terá o posicionamento real tido reflexo na forma como
se desenrolou o relacionamento entre a instituição inquisitorial portuguesa e a
monarquia castelhana?
Romero Magalhães não
encontrou, para este período, indícios específicos que nos permitam falar de um
tempo próprio na vida da Inquisição (maldita) considerando, pelo contrário,
que os anos correspondentes à governação de Filipe II devem ser integrados num tempo de expansão plena
da instituição inquisitorial, cujo início em 1573, anterior à perda da
independência, se prolongou até 1605, marcado pelo funcionamento regular do
Tribunal, pela sua condução por elementos preparados, pela criação de uma rede
de informações e de delegações presenciais fora das sedes das mesas e por um
crescendo nas perseguições.
NOTA: A este momento de
expansão plena seguiu-se um outro de reorganização, que decorreu entre
1605-1615, constituindo ambos, no seu todo, o terceiro “tempo” do viver da
instituição inquisitorial. Este “tempo” foi antecedido por outros dois: um
primeiro, entre 1536-1547, que Romero Magalhães designou de tempo de
estabelecimento, utilizando a terminologia de Alexandre Herculano e um segundo,
entre 1548-1572, que considerou ser o de organização. In Joaquim Romero
Magalhães, “Em busca dos ‘tempos’ da Inquisição (maldita) (1573-1615)”.
Esta posição é,
igualmente, partilhada por Francisco Bethencourt que defende que o reinado de
Filipe II parece ter constituído, no que respeitou ao reforço da Inquisição
(maldita), apenas um simples prolongamento do reinado do cardeal Henrique tendo
o fortalecimento da instituição resultado, sobretudo, de uma conjuntura de
crise política e social vivida na sequência de Alcácer-Quibir e da morte do rei
português. No sentido, precisamente, de reforçar o poder inquisitorial após ter
sido aclamado rei, em 1578, e então já liberto das suas funções de
Inquisidor-geral, o velho monarca não descurou os assuntos relacionados com a
Inquisição (maldita) e foram garantidos, junto da Santa Sé, diplomas que
asseguravam pensões ao Santo Ofício (maldito), tendo o rei reforçado os
privilégios que, enquanto regente, havia concedido aos oficiais e familiares do
Santo Ofício (maldito), através da criação de foro privativo. Em 1580, os governadores
do reino executaram a vontade expressa pelo cardeal-rei Henrique antes de morrer,
dotando o Santo Ofício (maldito) de 3.000 cruzados anuais em bens da Coroa.
Outra coisa não seria de esperar de um homem que durante quatro décadas tinha
tido nas suas mãos a política do Tribunal.
Esta política de reforço
do Tribunal não constituía uma inovação pois quando, em Janeiro de 1568,
Sebastião I assumiu o governo pessoal do reino não demonstrou, durante os
primeiros anos, intenções de se afastar da política seguida pelo seu tio avô, o
Inquisidor-geral, relativamente aos assuntos da Inquisição (maldita). Nesse
sentido, em 1570 foi aprovado o regimento da Inquisição (maldita), assistiu-se
à nomeação do secretário do Conselho Geral como escrivão da câmara régia no que
diz respeito aos assuntos inquisitoriais, dando, assim, um enorme passo no
sentido de uma “fusão institucional”, e, em 1573, o jovem monarca confirmou a
decisão anteriormente tomada pelo Inquisidor-geral, enquanto regente, de
proibição de saída do reino dos cristãos-novos». In Maria do Carmo Teixeira Pinto,
Os Cristãos-Novos de Elvas no reinado de D. João IV. Heróis ou Anti-Heróis?, Dissertação de Doutoramento em História,
Universidade Aberta, Lisboa, 2003.
Cortesia de U.
Aberta/JDACT