sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Poesia e Metromania. Inscrições Setecentistas, 1750-1820. Fernando Matos Oliveira. «No âmbito de um regime de leitura intensiva, duplamente informada pelos trabalhos da teoria e do ‘culturalismo’, como o legado mais enfático das guerras em torno da crítica ao longo das últimas décadas»

jdact e cortesia de wikipedia

Literatura, teoria e cultura
Argumento
«Por esta razão, o programa crítico a convocar deverá ser capaz de fazer a mediação entre interpretações retoricistas e interpretações contextualistas, entre modalidades de leitura demasiado entrincheiradas na auto-referencialidade da linguagem, como as praticadas pelo imanentismo crítico de tipo jakobsoniano, e a adopção de um contextualismo linear. Uma afirmação eloquente de José Guilherme Merquior explicita o regime de leitura que se deseja implicar no período em causa. Ao comentar o projecto estruturalista de Lévi-Strauss, num pequeno volume monográfico, este notável crítico brasileiro lembrava que a mimese tem de passar pelo signo.
Desta forma:
  • Não se elide o vínculo mimético e identitário da escrita de Setecentos, pois essa sua vinculação foi contígua à intensificação e/ou instrumentalização dos usos sociais das letras neste período;
  • Consideram-se também os aspectos linguísticos e formais, próprios de uma época que assistiu à revivescência da retórica clássica e à codificação da expressão poético-literária.
O próprio facto de aquilo a que chamamos literatura não possuir, nem sequer no incipiente discurso crítico de então, a autonomia estética que a modernidade lhe reconheceu, emergindo no conjunto da matéria escrita sob diversas configurações e intensidades, coloca a gestão crítica da relação entre a mimese e o signo em três planos sucessivos:
  • No âmbito da inflação teórica ocorrida nas décadas de sessenta e setenta, quando a fundamentação linguística e estrutural de parte da crítica reprimiu a apetência fundacional da teoria para integrar questões de natureza interdisciplinar, cultural e não-literária;
  • No plano da textualização da cultura e da culturalização da literatura, centrada nas décadas de oitenta e de noventa, período que inflaciona a autoridade referencial e identitária dos textos literários, à custa de uma acentuada restrição formal;
  • No âmbito de um regime de leitura intensiva, duplamente informada pelos trabalhos da teoria e do culturalismo, que sumariamente confirmarei como o legado mais enfático das guerras em torno da crítica ao longo das últimas décadas.
Após uma breve passagem pelas questões levantadas em cada uma das alíneas, assumirei a crítica como inscrição, desde logo, inscrição da textualidade na temporalidade, inscrição da metromania no círculo contextual setecentista e ainda inscrição da poesia no processo de liricização da Poesia e não apenas no regime literário pós-romântico. A viabilidade setecentista de uma leitura simultaneamente atenta às questões da mimese e do signo, sendo menos susceptível de reconduzir o discurso ao facciosismo formalista ou ao facciosismo culturalista, é criticamente potenciada pela referida conexão entre o capital cultural e o capital social.

NOTA: O conceito de capital cultural originou-se na sociologia de Bourdieu, particularmente nos seus trabalhos dedicados às estratégias de distinção cultural. Ensaios como os de Guillory, 1993, e de John Frow, 1995, contribuíram a seu tempo para a sua divulgação e consagração teórico-crítica.


A pluralidade das letras e a contiguidade que se estabelece entre o que poderemos chamar o arquivo real e o arquivo ficcional no século XVIII, constituem marcas epocológicas que têm consequências sérias no plano do discurso crítico. Ainda quando explicitamente assume a sublimação pastoril, o verso árcade solicita uma leitura que é constantemente atraída para territórios referenciais que transcendem a matéria que a constitui enquanto linguagem ou ficção. Deste modo, o desafio que a textualidade de Setecentos lança ao leitor contemporâneo passa menos pela imposição de uma crítica autoritária, indexada a um conceito moderno e/ou estritamente autotélico de literatura, do que pela abertura a uma crítica disponível para a inscrição do teor compósito das letras da época em causa». In Fernando Matos Oliveira, Poesia e Metromania, Inscrições Setecentistas, 1750-1820, Dissertação de Doutoramento em Letras, na área de Línguas e Literaturas Modernas, Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra, 2008.

Cortesia da Universidade de Coimbra/JDACT