domingo, 6 de janeiro de 2013

Grandes Reportagens de Outros Tempos. Amador Patrício. «É voz corrente aqui em Coimbra que tal fama não passava de calúnia sem o menor fundamento; tanto que nunca se aventou nome de pessoa com quem a infeliz D. Maria Teles faltasse aos seus deveres de mulher honrada»

jdact e cortesia de martinsbarata

(continuação)

Drama de Sangue em Coimbra
Coimbra … de 137…
«Via-a o Infante amiúde e apaixonou-se por ela. Declarou-lhe o seu amor, mas D. Maria era muito sisuda e fez-lhe saber que não lhe agradavam tais galanteios. Ele persistiu e Maria Teles mandou-lhe dizer Álvaro Pereira, bom fidalgo muito chegado ao Infante, que, se ele a amava tanto como dizia, casasse com ela, como El-Rei Fernando tinha casado com sua irmã. Doutra forma não consentiria que lhe falasse mais em tal.
Sobre o que se passou depois divergem as opiniões. Dizem uns que o infante João, posto ante aquele dilema, se resolveu logo a casar secretamente. Outros, porém, contam que D. Maria Teles lhe armou uma cilada, convidando-o a ir certa noite, escondidamente, a sua casa. Tudo fora preparado para o enfeitiçar. D. Maria estava mais formosa do que nunca, no que redobrou o Infante de paixão. Exprobrou-lhe o seu procedimento de tentar seduzi-la para amores fáceis, a ela, descendente dos Teles e dos Meneses, da linhagem dos reis, e exortou-o a que, ao menos pelo que devia à Infanta D. Beatriz, sobrinha de ambos, não prosseguisse no seu intento que a ofendia. Dizendo isto, chorou, o que às mulheres é ligeiro de fazer, e convidou João a ir-se embora.
Chorosa, mais linda pareceu ao Infante, que tanto lhe queria. A camareira que o conduzira até ali interveio para insistir em que aceitasse casar com sua ama. Era de nobre estirpe a irmã da rainha; El-Rei Pedro, seu pai, tinha casado secretamente, por amor, com D. Inez, mãe dele. Não havia, pois, razão para o Infante não a receber por mulher, a não ser por falta de vontade.
O infante João acedeu. Tudo estava combinado para que logo ali mesmo a pudesse receber. E o resto da noite se passou em transportes de amor que só terminaram de madrugada, quando o Infante, furtivamente, teve de partir. Como acontece sempre aos amores mais secretos, chegou conhecimento deles à Corte e muito os reprovou a rainha, que dizia antes querer ver a irmã casada com um simples cavaleiro do que com o cunhado.
A maledicência atribuiu esta oposição ao receio que a rainha teria de, no caso de morrer El-Rei, Infante João, tão amado de fidalgos e do povo, ser elevado ao trono e ela preterida por sua irmã, que seria então rainha. Este feio sentimento de inveja, que de modo algum podemos aceitar exista no coraçao de D. Leonor, teria feito com que esfriasse a sua amizade pela irmã e com que El-Rei mostrasse mau semblante não só ao Infante João, mas até ao Mestre de Aviz, pela grande afeição que àquele irmão tinha.
Cresceram as nuvens que começavam a ensombrar estes clandestinos amores, depois que João Afonso Telo foi falar secretamente ao Infante para lhe dizer que a rainha desejando seu acrescentamento e honra, cobiçava muito de o ver casado com a Infanta D. Beatriz, sua filha, a qual, embora prometida ao duque de Benavente, era mais natural que casasse com príncipe português, Para assim virem ambos a herdar a coroa de seus pais e avós. Afligia-a, porém, a ideia de que João tivesse casado com sua irmã dela, como se dizia, o que, a ser verdade, prejudicaria aquele projecto. Após estas palavras o Infante já não parecia o mesmo e começou a maquinar como havia de ser quite de D. Maria, sua mulher. Parece que a rainha e o conde falaram no assunto com Diogo Afonso Figueiredo, vedor do Infante, e com Garcia Afonso, comendador de Elvas, do seu conselho; e eis que, dentro em pouco, se levanta a atoarda de que D. Maria atraiçoava o marido e que portanto este bem podia matá-la e casar depois com a sobrinha.
É voz corrente aqui em Coimbra que tal fama não passava de calúnia sem o menor fundamento; tanto que nunca se aventou nome de pessoa com quem a infeliz D. Maria Teles faltasse aos seus deveres de mulher honrada. Mas também é certo que quem seu cão quer matar, raiva lhe põe nome; e assim é que o Infante D. João determinou em sua vontade cedo privá-la da vida». In Amador Patrício, Grandes Reportagens de Outros Tempos, ilustração de Martins Barata, prefácio de Caetano Beirão, Empreza Nacional de Publicidade, Minerva, 1938.

continua
Cortesia de Minerva/JDACT