Regresso
Voltar
a percorrer o inverso dos caminhos,
reencontrar a palavra sem endereço
e contra o peito insuficiente,
oferecer a lágrima que não nos defende.
Recolher as marcas da minha lonjura
os sinais passageiros da loucura
e adormecer pela derradeira vez
nos lençóis em que anoitecemos.
Reencontrar secretamente
o fugaz encanto,
o perfeito momento
em que a carne tocou a fonte
e o sangue
fora de mim,
procurou o seu coração primeiro.
Bilene, Janeiro 1981
Confidência
Diz o meu nome,
pronuncia-o
como se as sílabas te queimassem os lábios,
sopra-o com a suavidade
de uma confidência
para que o escuro apeteça,
para que se desatem os teus cabelos,
para que aconteça.
Porque eu cresço para ti,
sou eu dentro de ti
que bebe a última gota
e te conduzo a um lugar
sem tempo nem contorno.
Porque apenas para os teus olhos
sou gesto e cor,
e dentro de ti
me recolho ferido,
exausto dos combates
em que a mim próprio me venci.
Porque a minha mão infatigável
procura o interior e o avesso
da aparência,
porque o tempo em que vivo
morre de ser ontem
e é urgente inventar
outra maneira de navegar
outro rumo outro pulsar,
para dar esperança aos portos
que aguardam pensativos.
No húmido centro da noite
diz o meu nome
como se eu te fosse estranho,
como se fosse intruso,
para que eu mesmo me desconheça
e me sobressalte
quando suavemente
pronunciares o meu nome.
Agosto 1979
Poemas de Mia Couto, in ‘Raiz
de Orvalho e Outros Poemas’
JDACT