sábado, 23 de fevereiro de 2013

Isabel de Portugal. Duquesa de Borgonha. Uma Mulher de Poder no coração da Europa Medieval. Daniel Lacerda. «Aos 18 anos, Isabel tornava-se o centro da corte, ocupando a partir de então um lugar ainda maior no coração do rei. Esta contingência explica, a um tempo, o atraso no casamento e a determinação de João I em encontrar para ela um bom esposo»

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A beleza e as qualidades de Isabel
«O nome de Isabel será mais tarde associado à redacção da obra Les honneurs de la cour de Aliénor de Poitiers, um dos primeiros registos da etiqueta que ela instituiu na corte de Borgonha. A leitura de novelas de cavalaria, Távola Redonda, Amadis de Gaula, etc., constituía um passatempo muito cultivado por donzelas e damas, sobretudo na ausência dos senhores, frequentemente em deslocações de administração ou a combater. Isabel foi a quinta criança que a rainha D. Filipa de Lencastre pôs no mundo, em 1397, depois de três rapazes e uma menina falecida com dois anos. Imagina-se quanto os pais ficaram felizes com tal nascimento, que vinha preencher o vazio deixado pelo desaparecimento da irmã Branca. Tendo a mãe morrido uma semana antes da partida de uma poderosa frota paru a tomada de Ceuta, 1415, Isabel cresceu na corte no meio das mesmas nobres senhoras que haviam constituído a companhia da progenitora. Os cronistas testemunham a beleza da infanta e parece que Filipe, fino apreciador das qualidades femininas, ficou apaixonado desde que viu o seu retrato; apressou-se então a concluir as negociações do casamento. Ela manifestava também primícias de inteligência quando o pai, que acompanhava muitas vezes, a consultava sobre os assuntos mais delicados. Pode ler-se, relevando de impressões colhidas em escritos da época, que Isabel de Portugal era uma jovem bela, culta e de grande inteligência, de quem só se dizia bem.
Mas Emmanuel Bourassin acrescenta, numa linguagem de desenho figurado:
  • Mas que ninguém se engane, o fogo medra sob a cinza e debaixo dessa fisionomia afável e doce, a infanta não dissimulará por muito tempo a sua alma ardente, o seu carácter generoso mas de forte temperança. Com esta princesa portuguesa, o altivo duque Filipe nem sempre dirá a última palavra.
Outros historiadores, apoiados em documentos da época, sublinharam a competência de que a duquesa deu provas quanto à organização da casa ducal, que igualava em grandeza a corte dos reis. Para se encontrar a razão de ser desse rigor será preciso recuar até aos tempos de juventude da infanta, quando sua mãe, a rainha Filipa de Lencastre, que morreu vitimada pela peste, será por ela substituída na corte, ficando, aos 18 anos, junto do pai e dos irmãos. O cronista Gomes Eanes de Zurara descreve a impressionante cerimónia de transmissão do poder da rainha aos filhos.
  • No leito de morte, na presença do rei João I, D. Filipa de Lencastre doa a cada um dos três filhos varões uma rica espada de cavaleiro. À filha Isabel, que doravante assegurará as responsabilidades que até então tinham sido as suas, atribui o senhorio das terras que lhe pertenciam, das quais obtinha rendimentos.
O rei deu o seu acordo acrescentando-lhe as jóias e a baixela de prata. O conde de Sabugosa relata este acontecimento com grande detalhe, contribuindo assim para a perpetuação da aura de que beneficiou esta família, a da ínclita geração. Sabugosa inspira-se em Zurara, cantor incontestado da nobreza joanina que empreendeu as viagens ao longo da costa africana, depois da tomada de Ceuta em 1415.
Deste modo, foram-lhe reservadas responsabilidades de administração para o desempenho das quais as capacidades de educação da nobre inglesa haviam previamente criado os alicerces. Aos 18 anos, Isabel tornava-se o centro da corte, ocupando a partir de então um lugar ainda maior no coração do rei. Esta contingência explica, a um tempo, o atraso no casamento e a determinação de João I em encontrar para ela um bom esposo». In Daniel Lacerda, Isabelle de Portugal – duchesse de Bourgogne, Éditions Lanore, 2008, Isabel de Portugal, Duquesa de Borgonha, Uma Mulher de Poder no coração da Europa Medieval, tradução de Júlio Conrado, Editorial Presença, Lisboa, 2010, ISBN 978-972-23-4374-9.

Cortesia de Presença/JDACT