sábado, 9 de fevereiro de 2013

O Príncipe Constante. Pedro Calderón de la Barca. O Infante Santo. Maria Idalina Rodrigues. «… estava de facto fadado para ser guardado pela história do teatro literário, para resistir ao abalo das modas e das mudanças, ao impiedoso cerco dos espaços e das admirações de ocasião»


Cortesia de wikipedia

Do Muito Vertuoso Senhor Ifante Dom Fernando a El Príncipe Constante
Reconhecimentos que contam
Em Janeiro de 1804, Goethe escrevia a Schiller mais ou menos isto:
  • (…) dou-lhe notícia de duas obras de arte que me chegaram (…) A segunda é uma peça de Calderón. Fernando, príncipe de Portugal, morre na escravidão em Fez, porque não quer que se entregue Ceuta, que é exigida como resgate para a sua libertação. Tal como nas peças anteriores, sobretudo à primeira leitura, é-se interrompido no gozo do pormenor por variadas causas; mas, quando se chega ao fim, e a ideia se eleva aos olhos do espírito como uma fénix das chamas, julga-se nunca se ter lido nada de tão primoroso. Merece certamente ser colocada ao nível da Meditação aos Pés da Cruz; podemos até dar-lhe um lugar cimeiro, talvez porque a lemos mais recentemente e porque o assunto, bem como o seu tratamento, é bem digno de ser amado, no mais elevado sentido. Apetece-me dizer que, se a poesia desaparecesse por completo da face da terra, podíamos reconstituí-la a partir desta peça.
Goethe lera por certo a primeira edição, 1803, da tradução alemã de Schlegel, mas será talvez o aparecimento da segunda, em 1809, que o estimula à apresentação da peça no teatro do Ducado de Weimar, ponto de partida de sucessivas vagas de interesse pelo texto calderoniano na Alemanha dos séculos XIX e XX. Schlegel, Schiller e Goethe, por muito motivados que estivessem pelo ideário romântico que tão apaixonadamente apadrinharam, não eram insensíveis a destrinças:
  • entre o bom e o mau, o suficiente e o medíocre, o impacto do passageiro e o impacto do que viera para ficar, aceitavam escolher e recomendar.
El Príncipe Constante, obra de um espanhol de 28 anos chamado Pedro Calderón de la Barca, que viveu e morreu no século XVII, estava de facto fadado para ser guardado pela história do teatro literário, para resistir ao abalo das modas e das mudanças, ao impiedoso cerco dos espaços e das admirações de ocasião. No século XIX ainda, apreciaram-no a França e a Inglaterra, traduções francesas de 1827-28 e 1841-44 e versão inglesa de 1853, depois da Itália, tradução de 1824, a Polónia, tradução/adaptação de 1844 e a Hungria, tradução de1870; dobrado já o século XX, outras versões se impuseram: a russa, 1902 e 1961, a checa (?), a sueca, 1904, a holandesa, 1944, e outras mais em países em que não seriam as primeiras.
Cabe, então, perguntar se, com um protagonista português, um Infante Santo, mesmo que não canonizado, que nos habituámos venerar por uma virtuosa perseverança, um príncipe que, desde os nossos tenros anos, nos desenharam como modelo. Ainda será assim? Alguma tradução portuguesa entre nós apareceu, a atestar, pelo menos, um agradecimento, ao autor e à sua criação, ou se algum espectáculo, de ontem ou de hoje, recompôs nos nossos palcos essas cenas longínquas de heroísmo e dedicação, trazidas em versos que tantos outros souberam apreciar.
A pergunta tem toda a razão de ser, a resposta irá sendo dada aos poucos, à medida que avançarmos num trabalho que não pretende ser mais um título bibliográfico a prestar contas dos invejáveis dotes poético-dramáticos por tantos já avaliados, embora sempre os acrescentos sejam bem vindos, antes foi pensado como uma espécie de reapreciação do encadeamento de textos peninsulares em torno da figura do Infante Fernando com o olhar voltado para Calderón, a partir de algumas premissas que têm a ver com interpretações que, sendo históricas ou prioritariamente literárias, também com a hagiografia conservam o seu parentesco.
Antes, porém, de pela escolhida senda nos adentrarmos, uma última informação sobre o talvez mais célebre espectáculo moderno centrado na peça calderoniana, o que dirigiu Jerzy Grotowski no Théâtre de Nations, em França, no ano de 1966, dividindo assistência e críticos entre fanáticos apoiantes e severos juízes, com uma proposta de quase sádica insistência na crueldade humana de que o corpo do principal actor ia dando provas, nos limites de uma capacidade de resistência que quase só na agonia de Cristo tinha um paralelo à altura». In Maria Idalina Rodrigues, Do Muito Vertuoso Senhor Ifante Dom Fernando a El Príncipe Constante, Via Spiritus 10, 2003.

Cortesia de Via Spiritus/JDACT