Tarro - Café-restaurante
O ‘Tarro’ fica na cidade nova
e quase sempre resplandece ao sol.
- Para ir ao ‘Tarro’ é preciso um estilo.
À noite, na esplanada ao pé do lago,
lá onde voga um par de cisnes negros
no mesmo tom credencial dos bens
que ali se dão a consumir sorrisos,
crianças sociais de bicicleta
prosseguem o à-vontade de mostrar
como se é, se está ou se parece.
Comercial, seu nome de Café,
de Restaurante, de Snack-Bar - O ‘Tarro’
não é concisamente um edifício,
vale um desejo e faz como um perfume
quando se expande e torna indiscrição.
Ia dizê-lo a víscera da Cidade...
desta cidade de ambições solúveis,
bela amante que se dá e foge!
Ali palpita na leveza a forma
do mal por bem dizer grandezas mínimas.
Já se lá vai para namorar sentado,
escandalizar - de amor, ou posição
que, embora vaga para fazer convites,
é necessário para sonhar política:
há sempre um caso para contar no ‘Tarro’!
Lá estão à porta adolescentes vários,
contemplativos, a fumar porquês,
nos automóveis dos rapazes ricos,
motor e chapa, as vibrações da alma.
Somos do ‘Tarro’! andamos a estudar!
Nas escolas, no Colégio, no Liceu,
e os nossos pais, os transigentes, pagam,
dão-nos vontades de até ir para a Tropa.
São bons estes degraus para nos sentarmos
a conversar e a discutir justiça,
são bons para nos ouvirmos em silêncio,
pasmados de remorso e de preguiça.
A certa hora habitual conjunta,
quase só vêm os senhores doutores,
tanto os que o são de conhecida fé,
como os da fama pessoal, ambígua.
Então se evolam os odores do ‘Tarro’!
Lembram as missas de solene incenso
as cigarrilhas do vapor lustroso
que os gestos dignifica e os sapatos...
- Ninguém lhe escapa ao gozo, se lá entra.
Daí que este retrato, esta paisagem,
banal decerto na Província magna,
não nos aperta, é como num museu.
Aqui, porém, cá dentro, em Portalegre,
onde inocência, pequenez, vaidade,
incrível, genial contradição
da sua urbanidade e vocativo,
são a virtude vegetal dos pombos,
- isso já custa, quase faz um perigo,
diria o acidente de um juízo:
- olhar o passarinho, e ver-lhe as penas
como se elas e a cor do seu verniz
logo soubessem às carninhas mansas.
Poema de Garcia de Castro, in ‘Os Lagóias e os Estrangeiros’, 1992
O ‘Tarro’ fica na cidade nova
e quase sempre resplandece ao sol.
- Para ir ao ‘Tarro’ é preciso um estilo.
À noite, na esplanada ao pé do lago,
lá onde voga um par de cisnes negros
no mesmo tom credencial dos bens
que ali se dão a consumir sorrisos,
crianças sociais de bicicleta
prosseguem o à-vontade de mostrar
como se é, se está ou se parece.
Comercial, seu nome de Café,
de Restaurante, de Snack-Bar - O ‘Tarro’
não é concisamente um edifício,
vale um desejo e faz como um perfume
quando se expande e torna indiscrição.
Ia dizê-lo a víscera da Cidade...
desta cidade de ambições solúveis,
bela amante que se dá e foge!
Ali palpita na leveza a forma
do mal por bem dizer grandezas mínimas.
Já se lá vai para namorar sentado,
escandalizar - de amor, ou posição
que, embora vaga para fazer convites,
é necessário para sonhar política:
há sempre um caso para contar no ‘Tarro’!
Lá estão à porta adolescentes vários,
contemplativos, a fumar porquês,
nos automóveis dos rapazes ricos,
motor e chapa, as vibrações da alma.
Somos do ‘Tarro’! andamos a estudar!
Nas escolas, no Colégio, no Liceu,
e os nossos pais, os transigentes, pagam,
dão-nos vontades de até ir para a Tropa.
São bons estes degraus para nos sentarmos
a conversar e a discutir justiça,
são bons para nos ouvirmos em silêncio,
pasmados de remorso e de preguiça.
A certa hora habitual conjunta,
quase só vêm os senhores doutores,
tanto os que o são de conhecida fé,
como os da fama pessoal, ambígua.
Então se evolam os odores do ‘Tarro’!
Lembram as missas de solene incenso
as cigarrilhas do vapor lustroso
que os gestos dignifica e os sapatos...
- Ninguém lhe escapa ao gozo, se lá entra.
Daí que este retrato, esta paisagem,
banal decerto na Província magna,
não nos aperta, é como num museu.
Aqui, porém, cá dentro, em Portalegre,
onde inocência, pequenez, vaidade,
incrível, genial contradição
da sua urbanidade e vocativo,
são a virtude vegetal dos pombos,
- isso já custa, quase faz um perigo,
diria o acidente de um juízo:
- olhar o passarinho, e ver-lhe as penas
como se elas e a cor do seu verniz
logo soubessem às carninhas mansas.
Poema de Garcia de Castro, in ‘Os Lagóias e os Estrangeiros’, 1992
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