(Continuação)
«A
pobre senhora dispunha somente duns pequenos recursos que seu marido havia
trazido da viagem. Manuel de Portugal,
sabendo desta dolorosa situação, foi ao paço com Afonso de Noronha,
impetrar a clemência real, para que Luís
de Camões ficasse em Lisboa, mas só puderam conseguir, que fosse perdoado
com a proibição formal de aparecer nos paços, quer de el-rei quer da sua real
família, sob pena de ser mandado em ferros para o Brasil, ficando-lhe até fora
dos paços proibido de se incorporar com os fidalgos da Corte em qualquer acto
público. Camões não queria aceitar
semelhante perdão, mas o amigo Manuel de
Portugal pediu-lhe que o não rejeitasse, em nome de sua mãe viúva e sem
ânimo. Camões resignou-se, e começou
a trabalhar na sua imortal obra, Os Lusíadas, poema que lhe resgataria talvez as culpas de que o
acusavam, e lhe abriria novamente as portas do paço, porque sendo o príncipe
João, filho de João III, muito amante da poesia, contava com a sua protecção,
se pudesse conseguir ler-lhe o poema. Assim se passaram dois anos com muitos
sacrifícios; D. Ana de Sá restabeleceu-se, e Camões tinha já muito adiantados Os Lusíadas.
Deu-se,
porém, um novo incidente, e bem funesto. Era o dia do Corpo de Deus de 1559; quando Gonçalo Borges,
moço dos arreios de João III, passava no Rossio para a rua de Santo Antão, dois
embuçados riram-se do seu garbo, e acharam-se dali de repente as espadas
desembainhadas. Por fatalidade apareceu Camões,
e conhecendo os embuçados como seus amigos, atirou uma espadeirada a Gonçalo
Borges, que o fez cair do cavalo, já moribundo. Então é que ficou
irremediavelmente perdido; foi preso e encerrado na cadeia do Tronco da Cidade, onde jazeu perto dum ano, saindo
a 7 de Março de 1553, livre por
perdão do próprio Gonçalo Borges, que conseguira restabelecer-se. Tinha,
porém, de partir para a Índia na armada, a 24 desse mês, capitaneada
por Fernão Álvares Cabral, embarcando na nau Bento.
Uma terrível tempestade destroçou a armada, a apenas a nau S. Bento
pôde chegar em princípio de Setembro desse ano à Índia, sem ter aportado a
Moçambique. Entrando em Goa partiu logo para uma expedição
perigosa contra a Chembé; em 1551
esteve no largo e doentio cruzeiro do Mar Roxo junto ao Monte Félix,
regressando a Goa na época dos festejos pela nomeação do governador Francisco
Barreto, em 1555, em que
cooperou com o seu Auto de Filodemo,
e em que contraiu os ódios que o fizeram ser mandado para Macau. Segundo os
cronistas, a vida em Goa era então muito dissoluta, e Francisco
Barreto, bastante severo, quis assinalar o seu governo pela reorganização
dos serviços públicos. Foi nesta crise que escolheu Camões para provedor-mor dos defuntos e ausentes de Macau,
lugar judicial administrativo, que longe da metrópole das colónias só poderia
ser exercido por um homem conhecedor de direito, valente e honrado. Camões partiu para Macau em 1556, regressando a Goa no fim de dois anos em 1558, debaixo de prisão, por ser vítima
de novas intrigas. Durante o tempo que esteve em Macau continuou escrevendo o
seu imortal poema, vivendo na célebre e memorável gruta, que fica
colocada dentro duma quinta, a pouca distância daquela cidade. No centro vê-se
hoje o busto de Camões, sobre um
pedestal; o busto foi modelado por Bordalo
Pinheiro, e fundido no arsenal do exército de Lisboa. No regresso a Goa
naufragou na foz do rio Mecong, nas costas do Cambodja, onde se
salvou a nado, salvando também a odisseia das glórias portuguesas. Ao chegar a Goa,
foi logo recolhido à cadeia, a ali recebeu então a notícia da morte prematura
de D. Catarina de Ataíde, sucedida em 1556.
A 3 de Setembro de 1558
sucedeu no governo da Índia o vice-rei Constantino de Bragança, e o
poeta foi logo posto em
liberdade. Em 1561 houve novo vice-rei, o conde de Redondo,
que soube aproveitar-se do talento de Camões
para trabalhos da sua secretaria. A situação económica do poeta não melhorara,
e no ano de 1562 encontramo-lo preso
por dívidas a requerimento de Miguel Rodrigues, de alcunha o Fios
Secos. Um gracioso memorial dirigido ao conde de Redondo lhe fez
recuperar a liberdade. Este vice-rei faleceu em Fevereiro de 1564, e Camões gozando vida mais sossegada,
continuou a empregar-se no serviço das armas». In Enciclopédia, Wikipédia.
continua
Cortesia
de Enciclopédia/JDACT