O Tempo das Pirâmides
O Nilo fértil
«Em tais condições, podemos estimar a superfície do Egipto do tempo das
pirâmides em aproximadamente 8000 km2. As inundações são um fenómeno
natural, que engrossa o Nilo com a chuva da monção, vinda anualmente da Etiópia
em meados de Julho para cobrir a planície com cerca de metro e meio de água. Quando,
pelo Outono, o rio torna ao seu leito, as cheias depuseram nas terras
alagadiças um manto de lodo fértil cuja presença favorece a eclosão de uma
agricultura extensiva, de uma economia próspera e de um modo de vida
específico. A partir do III milénio, a estação húmida que dotava o clima do
Egipto de uma pluviosidade fraca mas regular vai-se atenuando pouco a pouco e
dá lugar a uma aridez semelhante à de hoje. De um modo geral, o sol brilha
todos os dias; as raras chuvas e tempestades não escurecem o céu mais do que
algumas horas por ano.
Estas intempéries são então sentidas como manifestações ameaçadoras das
forças maléficas e o regresso do sol assinala a vitória do bem sobre o mal. Os
Egípcios cedo elaboram um calendário de 365
dias repartidos por doze meses lunares. É graças à regularidade das cheias do
Nilo e às observações dos astrónomos que chegam a esse resultado, necessário à
organização das colectas fiscais destinadas a alimentar assiduamente os
celeiros do Estado. O ano novo coincide com
o nascimento helíaco da estrela do Cão, a nossa Sírio, que
ressurge anualmente a leste ao nascer do sol, acompanhando os primeiros sinais das
cheias, por volta de 19 de Julho.
Os três grandes períodos agrícolas do Egipto, ritmados pelas cheias do
rio, determinam as estações. A primeira é a da inundação (akhet), que cobre as terras de meados de
Julho a meados de Novembro, trazendo a água salvadora nos dias mais quentes do
ano. Segue-se a estação do ressurgimento (peret), ou seja, do retorno das águas ao seu leito e do reaparecimento
dos campos, agora ensopados. É durante esta estação, de meados de Novembro a
meados de Março, que os camponeses trabalham a terra. De meados de Março a
meados de Julho, é a estação da seca (shemu), que marca o fim das colheitas, altura em que a terra fica
gretada e o rio desce ao seu nível mais baixo.
O nascimento da escrita
Para registar datas e acontecimentos, cálculos ou belas narrativas, depressa
se fez sentir a necessidade um sistema de notação gráfica, permitindo o desenvolvimento
da escrita hieroglífica, ao mesmo tempo que nascia a civilização faraónica.
Incorrectamente baptizados hieróglifos (escrita sagrada) pelos Gregos, os sinais utilizados são pictogramas
cujo desenho representa uma realidade concreta do ambiente egípcio: fauna,
flora, edifícios, móveis e, naturalmente, seres humanos e divindades. Se, por
exemplo, o texto que se quer escrever contém as palavras gato e criança,
desenha-se um gato ou uma criança, empregando um sinal-palavra, ou
ideograma. Porém, para exprimir ideias abstractas, como pensar, amar,
ou estar
triste, o sistema ideográfico não serve. A dificuldade é então
contornada através do emprego dos mesmos sinais, não para representar o objecto
que figuram, mas pelo seu valor fonético. Assim, o pictograma do olho
(que se pronuncia ir) surge na
palavra olho enquanto ideograma e entra na composição escrita da
palavra irtyw, azul, enquanto fonograma».
In
Guillemette Andreu, L’Egypte au Temps des Pyramides, Hachette Littérature,
1999, A Vida Quotidiana no Egipto no Tempo das Pirâmides, Edições 70, Lisboa,
colecção de História Narrativa, 2005, ISBN 972-44-1237-7.
Cortesia de Edições 70/JDACT