O nascimento da escrita
«Para diferenciar palavras homónimas e homófonas, recorre-se a diversos
utensílios gráficos. Em geral, os verdadeiros ideogramas são seguidos de um
traço vertical. Quando uma palavra se escreve com viários fonogramas, a leitura
é auxiliada por sinais determinativos colocados no final dessa palavra para indicar
a que categoria semântica ela pertence. Assim, todas as acções do Sol, nascer, pôr-se, brilhar, bem como as
noções de tempo e da sua divisão, são determinadas pelo pictograma do
disco solar.
Foram estas subtilezas, cuja combinação permitiu escrever alguns dos
mais belos textos do património literário da humanidade, que Jean-François
Champollion conseguiu captar em 1822,
devolvendo assim a palavra aos escribas do antigo
Egipto. Com a sua descoberta do sistema hieroglífico, Champollion
dava à luz a egiptologia, ciência que
estuda com rigor e precisão todos os aspectos da civilização faraónica e que se
subdivide em diversas especialidades:
- arqueologia,
- epigrafia,
- linguística,
- história,
- história de arte,
- geografia religiosa,
- antropologia religiosa,
- estudo dos aspectos profanos,
- da administração, etc.
A beleza das obras egípcias e o aparente mistério dos hieróglifos que
as ornamentam despertaram inúmeras vocações de egiptólogos nos países
ocidentais. O fascínio exercera-se já sobre os Gregos, quando, na senda de
Alexandre, o Grande, no século IV a.C.,
o Egipto foi por eles descoberto. Por seu intermédio, alguns vocábulos
egípcios chegaram às modernas línguas ocidentais. É o caso das palavras:
- ébano,
- goma,
- saco,
- íbis,
- oásis,
- basalto,
- alabastro ou nenúfar.
Que são transcrições fonéticas pouco deformadas dos termos egípcios
originais. A língua egípcia é parcialmente aparentada com as línguas semíticas, com as quais
partilha algumas características, em particular o consonantismo: nos textos hieroglíficos, as vogais não são
escritas, o que torna muito difícil a reconstituição da pronúncia.
Também os acentos tónicos são graficamente ignorados, assim como as flexões devidas
à entoação e as particularidades regionais que, não obstante, deviam ser bem
marcadas num país que, de norte a sul, se estendia por mais de mil quilómetros.
Escrita e falada durante mais de três milénios, a língua sofre uma evolução contínua
e bastante bem documentada pelos linguistas. Cerca de 2000 a.C., contam-se uns 700
hieróglifos; no início da era cristã, distinguem-se já uns 5000, de múltiplas
formas e valores.
O tempo das pirâmides é o tempo de uma língua arcaica durante o Império
Antigo e clássica durante o Império Médio: a cada ano que passa, os
progressos da egiptologia permitem precisar melhor o seu sentido e penetrar mais
intimamente o pensamento egípcio. Os estudos actuais insistem muito nos
constantes jogos de palavras gráficos a que se entregavam os escribas e os
decoradores dos templos ou dos túmulos:
- a correspondência ou mesmo a osmose entre o texto e a imagem é uma regra absoluta, pelo que a leitura das cenas dos monumentos faraónicos não se esgota na mera decifração dos hieróglifos gravados nas paredes.
É, em geral, nos textos do tempo das pirâmides, incisos nos muros das mastabas
(túmulos privados do Império Antigo),
que este duplo nível de escrita e de leitura é mais sofisticado e notável». In
Guillemette Andreu, L’Egypte au Temps des Pyramides, Hachette Littérature,
1999, A Vida Quotidiana no Egipto no Tempo das Pirâmides, Edições 70, Lisboa,
colecção de História Narrativa, 2005, ISBN 972-44-1237-7.
Cortesia de Edições 70/JDACT