«O
objectivo desta comunicação prende-se com o estudo morfológico da cidade de São
Tomé desde a sua génese, século XV, até meados do século XVII. Para a
elaboração do estudo procedeu-se a uma abordagem comparativa das morfologias
urbanas de quatro cidades insulares atlânticas de origem portuguesa:
- Funchal;
- Angra do Heroísmo;
- Ribeira Grande;
- São Tomé.
Verificou-se
um conjunto de características comuns às quatro cidades. O destaque dado à cidade de São Tomé tem como
objectivo posicioná-la no quadro das morfologias urbanas das cidades
insulares atlânticas de origem portuguesa uma vez que esta cidade
nunca foi estudada deste ponto de vista. Uma vez que se considera que as
cidades das ilhas atlânticas de origem portuguesa tiveram uma influência mais
ou menos directa do povoamento português e que os modelos que lhe serviram de referência
foram, de certa forma, importados do Continente, procedeu-se numa primeira fase
à enunciação das especificidades das fundações urbanas portuguesas entre os
séculos XIII e XVI, cidade medieval e cidade renascentista portuguesa, período
correspondente à génese das cidades das ilhas atlânticas, século XV, períodos
imediatamente anteriores, séculos XIII e XIV e posteriores, século XVI.
A
Cidade Medieval Portuguesa no Continente.
Os Traçados Urbanos.
Ao
referirmo-nos aos traçados urbanos da cidade medieval na Península ou
concretamente à cidade portuguesa, não podemos restringirmo-nos a uma
descrição, uma vez que tanto em Portugal como no resto da Europa, a variedade e
a originalidade destas cidades é muito grande, proveniente de diferentes
realidades e de variadas experiências concretas. Vários autores já abordaram o
tema da caracterização dos traçados urbanos das cidades medievais portuguesas.
Para Sérgio Carvalho, seguindo a linha de pensamento de Oliveira Marques,
(...)
a rua medieval das cidades mediterrâneas em geral e das portuguesas em particular,
é uma rua de contornos irregulares, geralmente estreita, elemento que se
acentua com a tradição muçulmana, rua que conduz habitualmente a espaços
abertos, espaço de maior pendor cristão, onde se desenvolvia a actividade
religiosa (na igreja) e a económica (no mercado).
Dentro
da mesma linha de pensamento, mas acentuando a existência de alguma
intencionalidade nos traçados medievais portugueses, Teresa B. Salgueiro,
refere que nas cidades portuguesas podemos perceber uma intencionalidade de
traçado regular, subvertida por vezes devido ao acidentado do terreno, ao
crescimento urbano descontínuo ou à influência dos traçados de origem muçulmana.
Doutro modo, refere-se Jorge Gaspar aos traçados das cidades medievais
portuguesas nas aglomerações planeadas, como tendo frequentemente um padrão
geométrico, comparando-as às bastides do Sul de
França e de Itália, leste da Alemanha e da região
fronteiriça Aragão-Navarra. Neste sentido e relativamente às
características morfológicas das bastides do Sul de França,
estas, segundo Jorge Gaspar, situam-se, quase sempre em sítios
facilmente defensáveis, estão por vezes envolvidas por uma muralha, onde se
abrem portas em número variável dependendo da sua importância. As
ruas, rectilíneas, cruzam-se segundo ângulos rectos, demarcando blocos rectangulares
de casas. Numa posição central, de fácil acesso tanto aos moradores como aos forasteiros,
uma praça também de forma rectangular, com arcadas ou alpendres nos exemplos mais
acabados, e que desempenhava as funções de centro comercial, de convívio e de
local de manifestações públicas. A igreja não ficava geralmente instalada neste
espaço, mas abria-se num pequeno terreiro próximo (...). As ruas apresentam
construções dum lado e doutro, de forma contínua, (...) Os espaços verdes da
cidade eram constituídos por quintais, que todas as casas possuíam nas
traseiras (in Gaspar, J. - A
morfologia urbana de padrão geométrico na Idade Média).
Para
Bernardo Ferrão, também é clara a tradição urbana regular em Portugal nas
cidades de fundação medieval: esta é atestada na fundação de
inúmeras cidades geometricamente ordenadas, sobretudo destinadas à defesa
fronteiriça e ao povoamento, como os casos de Viana e Monsaraz; (...). Igualmente
para Manuel Teixeira, é característica comum às fundações medievais da
Europa terem sido planeadas e construídas de acordo com um plano regular. Para
este autor a regularidade de traçado é a característica essencial
destas cidades medievais do século XIII e XIV, evidenciando uma atitude
deliberada de planeamento. A nível do traçado das ruas e segundo a
mesma fonte, este é ortogonal, nas cidades de maior dimensão, ou tendendo para a
ortogonalidade, nas cidades de menor dimensão. Os quarteirões são de forma
rectangular, alongados, não existindo traçados em quadrícula. (...).
Verifica-se (...) no plano da cidade uma alternância de ruas de frente e de
traseiras. As ruas dispõem-se fundamentalmente num sentido, alternando as ruas
principais e as ruas de traseiras ou de serviço, com funções e dimensões
distintas. Estas ruas são cruzadas por outras vias, que as cortam
perpendicularmente.
Assim,
em termos de traçado urbano conclui-se que as cidades medievais se caracterizam
por uma certa variedade, havendo no entanto a predominância de dois tipos:
- uma mais irregular, onde as ruas, por vezes, tomam uma forma aparentemente labiríntica, resultante da influência da cultura muçulmana e/ou da adaptação dos traçados mais regulares aos sítios onde se implantam;
- outra mais regular, influenciada pelas bastides sobretudo francesas, fundadas, a sua maioria, nos reinados de Afonso III e Dinis I.
Estes
aglomerados planeados são caracterizados pela existência de uma rua central
rectilínea que liga dois pontos importantes do aglomerado onde sensivelmente a
meio desta se abre um largo, sendo essa rua principal cortada por travessas e onde
frequentemente existem outras duas ruas paralelas a esta, menos importantes e
menos largas. O traçado destas cidades é ortogonal e os quarteirões são de
planimetria rectangular alongada. Estes são definidos por ruas paralelas, ruas
de frente e de traseiras, e perpendiculares. Estes aglomerados demonstram
certos princípios de regularidade e neles se reconhece a existência de uma
intenção planeadora, tendo sempre em conta a necessidade de defesa e a procura
da implantação de uma administração civil e religiosa». In Teresa Madeira, Urbanismo, Comunicação
apresentada no Colóquio Internacional Universo Urbanístico Português, 1415-1822,
Coimbra 1999.
Cortesia de Wikipédia/JDACT