Portugal no século XIV
«O Povo Português já tinha os seus direitos mais ou menos salvaguardados
pela lei. Por intermédio de representantes seus podia afirmar-se nas cortes, assembleias
consultivas ocasionalmente convocadas pelo rei, ao lado dos representantes da
Nobreza e do Clero. Enfim, embora houvesse dissensões, abusos, conflitos e
lamentáveis guerras civis, vivia-se nessa altura em Portugal tão bem ou melhor
do que na maioria dos países da Europa. Intrigas e guerras entre os outros
reinos peninsulares afectavam muitas vezes o decorrer dos acontecimentos em
Portugal, mas tanto o rei Dinis como o seu filho Afonso IV, o avô e o pai do
infante Pedro, procuraram sempre esquivar-se a tais problemas e fugir de se
envolverem nesses conflitos, o que nem sempre lhes foi possível.
Um mal que na época afligia muitos reinos europeus era o caso dos
problemas sucessórios, devido à existência de bastardos reais que ameaçavam o
herdeiro legítimo na sucessão ao trono. Estas situações advinham de ser
corrente entre reis medievais o terem filhos bastardos, tanto de damas de certo
relevo da nobreza como de plebeias sem gota de sangue azul, filhos reconhecidos,
dos quais se cuidava com muita atenção. Estas crianças, que nasciam fora do
tálamo real, eram criadas com carinho e mimo, pois eram príncipes de sangue, e se
por um lado seriam uma garantia para a sucessão nos casos de não haver um
herdeiro legítimo ou esse herdeiro morrer sem descendência, por outro lado
criavam ocasionalmente sérios problemas após o falecimento do pai.
Em algumas situações, o facto de usufruírem largas benesses legadas
pela generosidade paterna, prejudicava o património da Coroa e levava o novo
rei a ter de se bater para lhes retirar tais mordomias. Outras vezes esses
bastardos tornavam-se poderosos, ameaçavam o poder do herdeiro legítimo,
chegando até a disputar-lhes a coroa, aproveitando qualquer situação propícia a
um tal feito.
O herdeiro do trono via-se muitas vezes obrigado a defender-se de
irmãos bastardos e mesmo de irmãos legítimos, mais novos, cheios de ambição,
que o queriam esbulhar da coroa, sob este ou aquele pretexto, apoiados por
seguidores e apaniguados, situações que destruíam a paz e a ordem em consequência
de desastrosas guerras civis. Estas guerras sangrentas eram temidas por todos
em Portugal, com muita razão, e explicam os motivos da execução de D. Inês de Castro.
Protagonistas do drama
Um rei de tragédia
Afonso IV pai do infante Pedro, tem a dimensão de uma personagem de
tragédia clássica, pois por razões de Estado teve de mandar degolar a mulher
amada de seu filho, que era mãe de três dos seus netos. Este monarca teve
uma vida atribulada. Ainda herdeiro do trono, envolveu-se em guerras com
seu pai para se opor ao favoritismo que ele mostrava em relação a um filho
bastardo, Afonso Sanches; mais tarde, já rei, voltou a guerrear esse seu
irmão e depois teve de combater o rei de Castela; a seguir lutou ao lado de
outros reis peninsulares contra os mouros, que ameaçavam conquistar de novo a
Península e, por fim, teve de se defender do seu filho, o infante Pedro, que se
revoltou contra ele por causa da morte de D. Inês de Castro. Além de mandar
executar D. Inês de Castro, terá mandado decapitar um seu meio-irmão, o
bastardo João Afonso, que saíra condenado num processo em que era
acusado de alta traição. Foi um reinado pesado, mas mesmo assim Afonso IV foi-se
preocupando com o sistema judicial». In Luís de Camões, Linda Inês, O Episódio
Inesiano n’ Os Lusíadas, História de um Amor Fatídico, Introdução e Paráfrase
de Jorge Tavares, Mel Editores, 2009, ISBN 978-989-635-069-7.
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