«Quais as tácticas usadas no campo de batalha? Quais as variações, tendo
em conta a proporção das forças em presença e a conformação do terreno? Como se
comportam, ou como são utilizadas as diferentes armas que compõem os exércitos?
Qual a preparação estratégica e táctica dos generais? Como se
desenvolvia a guerra de cerco? Estes são apenas alguns dos temas, e as
respostas às questões têm que ser procuradas em documentos tão diversos como as
crónicas, cristãs e muçulmanas, em textos de poetas ou prosadores, em
documentação avulsa, em forais, em materiais fornecidos pela História da Arte e
pela Arqueologia, e ainda em fontes tão insuspeitas quanto sermões e outros
textos litúrgicos.
O nosso propósito é estudar o homem
combatente e os sistemas bélicos. Mas tal propósito não nos deve fazer
esquecer que eles não aparecem por acaso, sem a mínima relação com os outros
campos da História. Estaríamos, então, a estudar uma matéria fictícia, sem
relação com a realidade histórica. Não podemos perceber a composição de um
exército e a sua cadeia de comando sem levarmos em conta a estrutura social do
grupo estudado, as relações de dependência entre os vários estratos sociais, a
sua força ou a sua fraqueza demográfica. Não nos podemos alhear da história
política, não reduzindo, contudo, a guerra à
política por meios violentos. As motivações que comandam as actividades
bélicas não dependem do desejo de um chefe ou de um grupo de caudilhos. É uma verdade
óbvia, mas que foi no passado muitas vezes esquecida, pelos mais variados motivos.
O estudo do armamento usado pelas forças em presença não pode ser levado
a cabo sem termos sempre em mente as influências externas, por imitação,
importação ou migração de guerreiros, a tecnologia à disposição dessas
sociedades, as matérias-primas a que tinham acesso. Quanto às armadas, não só é
importante ter-se informação sobre os tipos de embarcações usadas, e as
possíveis influências estrangeiras como as técnicas de construção naval e os
conhecimentos náuticos, mas também sobre os portos de abrigo, militares ou de
conveniência, e as teracenas onde
eram feitos e consertados os barcos. Acresce a tudo isso percebermos como eram
as guarnições dos vários vasos de guerra, nos vários momentos, e o seu
armamento ofensivo. Por quem eram
tripulados? Quais as tácticas usadas em cada momento, em cada teatro de
operações e por cada tipo de embarcações?
A história da Cultura e o estudo das mentalidades fornecem-nos preciosas
informações, tanto no que diz respeito às motivações dos combatentes quanto à
capacidade de liderança e às escolhas tácticas e estratégicas. O objectivo
deste estudo é exactamenre o tratar de temas militares específicos. Estes
aspectos serão chamados apenas quando forem indispensáveis para um melhor
esclarecimento de determinados pontos, remetendo para estudos já existentes,
nos restantes casos. Existe um vasto conjunto de obras, entre livros e artigos,
que tratam dos aspectos políticos, sociais, económicos e culturais da época.
Uns excelentes, outros de menor qualidade, e ainda outros com cujas conclusões
não estarei totalmente de acordo. É claro que, ao estudar o problema da guerra
de fronteira terei que ter sempre em conta a estrutura dessas comunidades
raianas, seja das cristãs, seja das muçulmanas, ou em território ocupado pelos
muçulmanos. Mas o que não considerar essencial para o discurso será apenas
aflorado, remetendo-se para obras onde o tema se encontra tratado com maior
profundidade. O mesmo se diga em relação à questão do ermamento, já sobejamente tratado e explorado por medievalistas
de grande prestígio, tanto nacionais quanto estrangeiros.
Por isso, a obra não é uma História da Arte da Guerra no Portugal
Medieval, nos momentos da Reconquista.
Encarámo-la como um conjunto de estudos, incompletos, mas que têm uma sequência
que pensamos lógica, ponto de partida para completarmos o puzzle, encaixando parte das peças que faltam. Mas são em grande
número os documentos, tanto particulares quanto régios, as Crónicas, as vidas, de Santos, as imagens,
muitas delas só trabalhadas através de reproduções, algumas truncadas e sem
relação com o texto de que são ilustração, esculturas de vário tipo, espalhadas
pelo País, fortificações que tivemos que visitar para melhor conhecer a sua
localização no terreno, mas de que não conhecemos a forma primitiva das suas
defesas, ou mesmo os sistemas anexos, por vezes apenas referenciáveis pela
toponímia, já que a arqueologia medieval começa apenas agora a dar os seus primeiros
passos». In Pedro G. Barbosa, Reconquista Cristã, nas Origens de Portugal,
Séculos IX a XII, Ésquilo, Lisboa, 2008, ISBN 978-989-8092-26-7.
continua
Cortesia de Ésquilo/JDACT