Portugal Mítico
«Para visitarmos o primeiro século do reino
português, os documentos coevos são escassos e muito pouco esclarecedores. Existem
pouquíssimas crónicas e epístolas, há alguma legislação, bulas e cartas de
doação, mas tudo isso é muito parcial e externo para, só por si, permitir uma
reconstituição histórica fidedigna. De facto, ao observarmos os símbolos e
monumentos da época, sentimos que algo nos escapa. Tem por isso sentido o comentário
de António Telmo:
- A existência de organizações secretas no mundo medieval é reconhecida unanimemente pelos historiadores, embora divirjam quanto à importância a atribuir-lhes no plano histórico. Uns consideram a sua influência decisiva, enquanto outros nem sequer se lhes referem quando procuram as causas dos acontecimentos. Trabalhando sobre documentos de natureza especificamente historicista, como crónicas, registos notariais, etc., que representam, quase sempre, uma descrição exterior e já muito afastada do centro dos acontecimentos, não podem, evidentemente, por esse caminho, ter qualquer notícia daquilo que, por ser de natureza secreta, nem sequer era pressentido pelos próprios contemporâneos. Se tivessem um real amor à verdade, teriam de reconhecer noutro tipo de documentos a fonte verídica do conhecimento histórico.
Deste modo, na actual busca inconsciente, mas atávica, por parte
de muitos portugueses, da sua identidade mítico-cultural, urge, numa atitude
séria e honesta, imaginar a verdade histórica, senti-la. Este regresso
às origens que, de ano para ano, se tornará mais necessário e evidente, não
só para Portugal como para toda esta Europa kremlinizada planificação
central afastada da realidade concreta das populações e afastada do coração
dos povos, não deverá ser visto como um recuo, mas sim como uma inspiração
necessária a um novo avanço bem-aventurado em direcção a uma meta consciente.
Esta questão já foi intuída por Teixeira
de Pascoaes na sua Arte de Ser Português:
- Durante a mocidade é que um homem ou um Povo cria os traços fundamentais do seu carácter, que influi vigorosamente sobre o meio, e este sobre aquele. É no período da viva Sensibilidade que as almas se definem e, de acordo com a sua natureza, caminham para o seu destino... Mas se a doença ou o cansaço as enfraquece, precisam de voltar a respirar a pura atmosfera da sua aurora; e, ganhando novas energias, poderão seguir a vi agem interrompida.
Os símbolos do Portugal Mítico, para além de
conterem uma energia mistérica,
são, neste momento e na maior parte dos casos, verdadeiros enigmas, ou seja,
foge-nos o seu significado e o porquê da sua existência. Porém, este facto não
nos deve inibir na procura esforçada da hermenêutica correcta. Só assim poderemos
criar condições para que aconteça a desejada anamnésia, reminiscência».
In
Paulo A. Loução, Portugal, Terra de Mistérios, Edições Esquilo, 2001, ISBN
972-8605-04-8.
continua
Cortesia de Esquilo/JDACT