quarta-feira, 3 de abril de 2013

Tópicos sobre a Prática Política dos Estudantes Republicanos (1890-1931). Limites e Condicionantes do Movimento Estudantil. Ana Caiado Boavida. «Quanto ao problema da educação, o Centro procurará interessar a sociedade portuguesa, especialmente a “élite” intelectual, por todos os problemas pedagógicos…»

Cortesia de wikipedia

«A um outro nível, e paralelamente à estruturação de ligas e centros republicanos académicos, assiste-se ao fervilhar de associações cujo carácter secreto as nimba de sedução cativante. Situa-se nesta categoria a Maçonaria Académica, matriz da Carbonária Portuguesa. Composta exclusivamente por estudantes das escolas superiores de Lisboa, foi presidida, desde finais de 1895, pelo então também estudante Luz de Almeida. Aos filiados, que se encontravam repartidos por quatro lojas, Futuro, Justiça, Independência e Pátria, era administrada instrução militar, a fim de, logo que surgisse a ocasião propícia, tornar possível a organização de um batalhão académico verdadeiramente operacional.
Resumindo: quer através de organismos legalmente constituídos, quer mediante a sua inserção em sociedades iniciáticas, parte da juventude académica foi efectuando a sua aprendizagem política, adquirindo um maior grau de consciência possível das formas mais adequadas ao desenvolvimento da classe a que maioritariamente pertencia. Não nos iludamos, porém, quanto à natureza do percurso trilhado por este grupo específico até à revolução de 1910. Se a torrente verbal dos mais inflamados tribunos faz acreditar na existência de um entusiasmo em constante ascensão, a leitura atenta dos jornais oriundos do meio académico atenua esta imagem de triunfalismo. Em 1901, ano em que dá os seus primeiros passos, em Coimbra, o Centro Académico de Democracia Cristã, que se propõe o papel de trincheira antijacobina, o jornal A Liberdade convida a academia de Lisboa a levantar-se da apatia degradante em que tem estado imersa, dando como exemplo o reinício da movimentação dos estudantes republicanos de Coimbra, unidos num processo de luta contra o decreto do ministério Hintze Ribeiro que praticamente autorizava a existência de ordens religiosas em Portugal.

NOTA: O jornal A Liberdade foi publicado pela primeira vez no dia 31 de Janeiro de 1901. Intitulando-se, inicialmente, Jornal dos Estudantes Livres, passou a denominar-se, em subtítulo, Diário Republicano Académico a partir de 1 de Maio de 1901. Em 28 de Janeiro de 1906 realizou-se a sessão inaugural do Centro Republicano Académico de Coimbra. Usaram da palavra Bernardino Machado e Afonso Costa. Entre os convidados destacavam-se António José de Almeida, Manuel de Arriaga e França Borges. Em 1896, o carbonarismo em Portugal surgiu de novo, mas sem a menor relação com o de 1864, que desapareceu para sempre. A organização, o ritual e os próprios processos de conspiração e de combate eram totalmente diferentes. Começam a movimentar-se as academias. Coube desta vez à mocidade de Coimbra a iniciativa do movimento de protesto contra as ordens religiosas, infamemente toleradas, ilegalmente constituídas, porque dispõem da mais alta influência, à sombra da qual vão minando pouco a pouco, lançando os tentáculos a tudo o que podem alcançar [...]

Nos anos subsequentes à promulgação do decreto, e perante o bom acolhimento proporcionado às escolas e colégios orientados por membros do clero, agudiza-se o contencioso existente entre os estudantes republicanos e as velhas estruturas universitárias, identificadas com o clericalismo e o jesuitismo. Abaixo a Universidade Fradesca, a Universidade Inquisição, foi o grito vibrante que deu impulso à greve académica de 1907. Greve que visou mais longe, no alvo das suas críticas, do que quiseram deixar pensar os dirigentes académicos e os chefes políticos do republicanismo, cuja principal preocupação consistiu, por razões de ordem táctica, em circunscrevê-la num âmbito meramente escolar. Contudo, como impedir a íntima conexão entre a crítica de uma dada forma de organização do todo social e o combate ao sistema educativo segregado pelas instituições da classe que detém o poder político numa sociedade?
Na primeira semana de Fevereiro de 1909 constitui-se, em Lisboa, mais um centro aglutinador de estudantes republicanos, o Centro Democrático Académico, que se arvora a missão de ser uma espécie de consciência crítica do Partido Republicano Português. Quanto ao problema da educação, o Centro interessar-se-á e procurará interessar a sociedade portuguesa, especialmente a sua élite intelectual, por todos os problemas pedagógicos de indispensável solução entre nós, como sejam a refundição do ensino politécnico e médico, a criação duma Faculdade de Letras e de uma Escola Normal de Ensino Superior, a instituição em Lisboa de uma Escola de Direito, baseada na orientação moderna dos estudos sociais e jurídicos e absolutamente independente da Escola de Coimbra. O facto de o Centro Democrático Académico de Lisboa ter decidido pela sua não filiação no Partido Republicano Português, alegando critérios de honestidade política, na medida em que se pretende reservar o direito de livre apreciação e crítica é sintomático de uma atmosfera onde a unanimidade ideológica se vai rarefazendo, acaso alguma vez tenha verdadeiramente existido. Isto é, se a ideia de república como negação da ideia de monarquia não está em causa, já se vai tornando mais problemático reunir um perfeito consenso quando se colocam na mesa questões que exigem uma definição rigorosa dos conceitos e uma corajosa assunção dos compromissos históricos». In Ana M. Caiado Boavida, Tópicos sobre a Prática Política dos Estudantes Republicanos (1890-1931), Limites e Condicionantes do Movimento Estudantil, Análise Social, vol. XIX, 1983.

Cortesia de Análise Social/JDACT