Regimes Antecedentes
«A questão da necessidade de controlar os escritos de carácter noticioso
não se levanta, para o Poder, antes do segundo quartel do século XVII. Foi
quando começaram a proliferar relações avulsas, não periódicas, pondo em causa
a dominação espanhola, as quais, a julgar pela reacção do governo filipino,
produziriam algum efeito. Até aí, não se havia reconhecido a necessidade de
reforçar e alargar às relações ou notícias avulsas ou papéis volantes o
prescrito nas Ordenações a respeito
dos livros. Embora já tivesse sido motivo de cuidado, também antes da Restauração,
a insinuação dos pasquins, que tanta perturbação iriam causar nas autoridades ao
longo do final do Antigo Regime. Três principais fases podemos reconhecer nos
desenvolvimentos que a censura teve antes da Revolução de 1820.
As primeiras acções de controlo dos escritos foram exercidas tanto pelo
Desembargo do Paço como pelo Santo Ofício (maldito):
e ainda pelo Ordinário, arcebispos e bispos, nas respectivas dioceses, conforme
a matéria e a oportunidade.
NOTAS: Era nesse sentido a CR de 26/l/1627. De alguns anos
a esta parte se tem introduzido nessa cidade Lisboa escrever e imprimir relações
de novas gerais; e porque em algumas se fala com pouca certeza e menos
consideração, de que resultam graves inconvenientes, ordenareis que se não
possam imprimir sem as licenças ordinárias, e que antes de as dar se revejam e examinem
com particular cuidado. In Correspondência do DP, 1621 e 1628. Já antes, como
se sabe, a censura incidira sobre os escritos em geral.
O mais antigo documento que se conhece
sobre a censura por esse órgão é o Alv. De 22/2/1537 pelo qual se concedeu a
Baltasar Dias privilégio para as suas
obras e obrigatoriedade de apresentá-las à censura de Pedro Margalho. Teria
sido o Insino Christão, impresso em
1539, o primeiro livro português censurado pela Inquisição (maldita).
O aumento do número de publicações e da complexidade das matérias
impôs, porém, a necessidade de uma certa coordenação. Assim, pela lei de 4/12/1576
passou a ser obrigatória a aprovação das três entidades para que qualquer
escrito pudesse ter licença para se imprimir e correr. Os pedidos eram enviados
separadamente a cada uma delas, traduzindo o real peso que exerciam no plano
político geral da sociedade as três forças: papal,
episcopal e real. Este primeiro regime organizado de censura, interrompido pelo
governo pombalino, é retomado em fins do século XVIII quando a influência política
das três forças se faz sentir de novo mais fortemente no Paço e sob a
justificação da necessidade de uma mais forte oposição ao crescente tumultuar
das ideias revolucionárias e da subversão social. Estabelecido pela Carta de Lei
de 17 de Dezembro de 1794, irá
vigorar até à Revolução de 1820.
O segundo regime organizado de censura, instaurado pelo Decr. 5/4/1768, é uma das mais significativas
medidas de reforço da centralização do poder régio. Justificado pela ineficácia
da divisão da censura por três entidades, o novo regime reunia-as numa só, a Real
Mesa Censória. Desde o seu início, a actividade deste órgão seria dominada
por duas destacadas figuras da vida cultural do tempo: António Pereira Figueiredo,
da Congregação do Oratório e conhecido pelo seu ultramontanismo e regalismo, e
frei Manuel do Cenáculo, quo viria a ser o seu segundo presidente. A
importância da Real Mesa Censória era ainda acrescida pela circunstância
de lhe caber a responsabilidade do estabelecimento e orientação das escolas
menores, peça fundamental na política pombalina do ensino em oposição à
influência jesuítica. Unificado o comando da censura, esta convertia-se num
poder ao serviço do Estado centralizado, ao ponto de os censores terem passado
a receber a denominação de régios.
Deverá atentar-se, ainda, no importante papel de controlo desempenhado pela
Impressão Régia, pois, criada em 1768,
dominava a produção de textos destinados ao ensino e a apoiar directamente as
instituições oficiais.
São estas, na essência, as duas grandes formas de organização da Censura
ao longo de cerca de dois séculos e meio da nossa história. Pois um outro regime,
instituído pela CL de 21/6/1787, não
foi mais do que uma fracassada tentativa de conciliação entre os anteriores. Na
verdade, declarando confirmar e ampliar o Decr. 5/4/1768, a Real Mesa da Comissão Geral sobre o Exame e Censura dos
Livros retirava ao poder real a responsabilidade exclusiva nesta matéria,
atribuindo-a também à Igreja que, sobretudo desde o início do reinado de D.
Maria I, não cessara de protestar contra a exclusão do poder espiritual no
exercício da censura. A composição da Mesa era, por si só, demonstrativa da
influência clerical: o presidente devia ser eclesiástico e 4 dos 8 censores
teriam de ser teólogos». In José Tengarrinha, Da Liberdade Mitificada
à Liberdade Subvertida, Uma Exploração no Interior da Repressão à Imprensa
Periódica de 1820 a 1828, Edições Colibri, Lisboa, 1993, ISBN 972-8047-29-0.
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