sábado, 25 de maio de 2013

O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa: Carl Erdmann. «Muito importante, eram ainda as relações que se estabeleceram entre o cardeal e o próprio rei. Os documentos referem-nos este facto na sua nudez: “Afonso Henriques prestou juramento de vassalagem ao papa Inocêncio II na pessoa do cardeal Guido e encomendou o seu território a S. Pedro e à Igreja romana”»

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Inocêncio II e o juramento de vassalagem de Afonso Henriques
«(…) Este o a sua facção queixaram-se por isso junto do papa, afirmando até, entre outras coisas, que João Peculiar pisara aos pés a hóstia sagrada e repelira uma bula papal que lhe fora apresentada, dizendo que no território da sua jurisdição era ele o papa. Embora não possamos ter dúvidas sobre a gravidade da questão suscitada, trata-se evidentemente de exageros.

NOTA: A crítica de J. A. Ferreira, Fastos episcopais, tem até certo ponto indubitavelmente razão, mas vai longe de mais, visto não poder duvidar-se da autenticidade das três reclamações. Ferreira atem-se também quase simplesmente ao terceiro destes protestos; claro que é precisamente esto o mais elucidativo.

Inocêncio II já conhecia também João Peculiar suficientemente para não reagir. Admoestou breve as suas intromissões nos direitos conimbricenses e confirmou ao bispo Bernardo a independência na direcção da sua diocese. Só quando acresceram, às anteriores, novas queixas, desta vez do cabido da Sé de Braga, o papa se resolveu a convidar o arcebispo a comparecer em Roma para se justificar. João Peculiar obedeceu à intimação. Mas antes de se pôr a caminho, a situação geral sofrera greve mudança. Até agora nas relações entre Roma o Portugal, tanto quanto nós as seguimos, estivera a iniciativa sempre do lado dos portugueses. Certamente os cardeais-legados, que eram mandados à Península com intervalos regulares, visitavam também Portugal a maior parte das vezes, senão sempre. Demonstrá-lo, só o podemos fazer com a visita de Boso em 1117, depois com a de Deusdedit em 1124 a de Humberto em 1129 e a de Guido em 1136. Mas em nenhuma destas missões ficaram vestígios de actuação mais profunda.
Tanto quanto se pode ajuizar, os cardeais limitavam-se essencialmente a convidar os bispos a tomar parte nos concílios que eles convocavam no final da sua legacia em território castelhano, a fazer com que os concílios dessem solução às suas dissenções. Só a derradeira missão de Guido em 1143 trouxe mudança a esta tradição. Possuímos grande número de notícias sobre a actividade jurisdicional por ele desenvolvida em Portugal. Esteve no Porto e pronunciou uma sentença na questão existente há decénios sobre as fronteiras entre esta diocese e a de Coimbra. Depois seguiu para Coimbra, onde se ocupou das questões suscitadas entre o bispo e os cónegos de Santa Cruz, e de outras questões respeitantes às igrejas de Santa Justa, S. João e Santiago e ao convento de Lorvão. Ao mesmo tempo, não desdenhava aceitar do prior do cabido da Sé um bom presente em dinheiro, facto a que ligaremos pouca importância se nos lembrarmos dos regularmente repetidos presentes do arcebispo de Santiago ao papa e aos cardeais. Em todo o caso, na pessoa do legado era invocada a autoridade da Cúria, geralmente, para solucionar litígios, e desta forma encontrava o legado oportunidade de fazer valer o ponto de vista da Igreja romana onde, e sempre que, o julgasse conveniente.
Muito mais importante porém do que isto, eram ainda as relações que se estabeleceram entre o cardeal e o próprio rei. Não há nenhuma fonte narrativa que nos conte o que se combinou entre os dois. Os documentos porém referem-nos este facto tão importante na sua nudez: Afonso Henriques prestou juramento de vassalagem ao papa Inocêncio II na pessoa do cardeal Guido e encomendou o seu território a S. Pedro e à Igreja romana.

NOTA: Na sua carta a Afonso Henriques distingue Lúcio II: 1.º o juramento de vassalagem prestado nas mãos do cardeal Guido e a doação do território; 2.º a promessa de tributo feita mais tarde por carta (postmodum... per litteras tuas). A última é a carta Claves regni de l3 de Dezembro do 1143; o primeiro deve fixar-se evidentemente durante a estada de Guido em Portugal. Pois não se pode deixar para a reunião de Zamora o juramento de vassalagem que era dirigido contra Castela. Isto reconheceu-o justamente Herculano I; pretendeu porém colocar o juramento de vassalagem algum tempo depois das negociações do Zamora, vendo nisso uma tentativa de iludir o que ali fora estipulado. Contra isto fala contudo o itinerário do cardeal que nós hoje podemos seguir nas principais jornadas. A sua visita a Portugal cai antes do concílio de Valladolid, portanto aí pelo Verão de 1143. A 19 e 20 de Setembro teve lugar o concílio de Valladolid, a 4 e 5 de Outubro a reunião de Zamora. Que o cardeal depois disto visitasse Portugal uma segunda vez, é sobretudo improvável porque a 27 de Novembro de 1143 já ele reunia novo concílio em Gerona, e em 17 de Fevereiro de 1144 já se encontrava em Roma.

Pretendeu-se relacionar este acto com a teoria de Gregório VII, segundo a qual Espanha era propriedade de S. Pedro. A mim porém não me parece isto justificado; aquelas declarações de Gregório VII já então estariam certamente esquecidas. A soberania feudal do papa era para a Cúria naturalmente de grande valor teórico; mas em territórios distantes que não eram de importância para a política territorial da cúria, como o era por exemplo a Baixa Itália, não tinha de facto consequências no sentido de direitos romanos de domínio, mas antes era, geralmente, puramente nominal, a não ser quanto ao pequeno tributo pago. Tal soberania ere por isso considerada como vantajosa por todos os príncipes que procuravam desta forma legitimar a sua posição e se queriam libertar doutra soberania, sujeitando-se à dependência feudal da Santa Sé. Que também era este o pensamento de Afonso Henriques…»
In Carl Erdmann, O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa, Universidade de Coimbra, Instituto Alemão da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1935.

Cortesia de Separata do Boletim do Instituto Alemão/JDACT