Literatura e Nacionalismo em Angola
«(…) O combate pelo reconhecimento dos valores ditos negros, a
reabilitação da cultura negro-africana aos olhos do mundo, a reivindicação do
contributo do humanismo africano para o humanismo universal, foi travado com um
ardor particular pelos intelectuais dos países antigamente colonizados pela
França. Através da fundação de revistas, entre as quais ainda se mantém com
mais prestígio a Présence Africaine,
da organização de congressos internacionais de cultura, de debates sobre as
condições da existência das literaturas nacionais em África, de ensaios de
interpretação de uma filosofia africana ou da fundação de companhias teatrais,
toda uma época se encheu de ruidosas manifestações de negritude. O primeiro congresso dos escritores e artistas negros
reunido em Paris em 1956, ao qual
tive o privilégio de estar intimamente associado, marcou uma mudança decisiva
nas actividades de Présence Africaine.
Este congresso, proclamando a necessidade de reabilitar e desenvolver as diversas
culturas negras a fim de favorecer a sua integração no conjunto da cultura humana,
pôs a tónica sobretudo na crise que as atinge, tendo em conta o sistema colonial.
Convidando os intelectuais a trabalharem para a criação das condições concretas
do renascimento e da expansão das culturas negras, os congressistas queriam
sublinhar a pré-eminência da luta
pela independência nacional.
Desde então, o compromisso do homem de cultura colonizado encontrava-se
nitidamente politizado. Esse compromisso estava já assumido particularmente
pelos jovens escritores de expressão europeia que tomavam como seu papel
essencial despertar a consciência nacional nos seus respectivos países. Se bem
que conscientes do facto de que os seus escritos não podiam atingir o grande
público africano, iletrado na esmagadora maioria, estes criadores
apresentaram-se a si mesmos como os perturbadores da ordem colonial. O lugar
desta literatura no contexto da luta nacionalista é muito mais importante do
que se julga. Mas é à luz do exemplo argelino que melhor se vai definir o
compromisso do homem de cultura colonizado. Por ocasião do congresso dos escritores
e artistas negros em 1959, Franz
Fanon, no seu relatório Fondements réciproques de la cultura nationale
et de la lutte de libération (Fundamentos
recíprocos da cultura nacional e da luta de libertação), desvendou pela
primeira vez ao público africano e internacional o sentido da mutação revolucionária das manifestações
culturais no decurso da luta armada pela libertação nacional.
Eis a ideia essencial que ilumina todo o seu relatório:
- Nós pensamos que a luta organizada e consciente empreendida por um povo colonizado para restabelecer a soberania da Nação constitui a manifestação mais plenamente cultural que se pode imaginar.
De facto, faltava ao problema cultural levantado anteriormente pelos
intelectuais africanos esta dimensão fornecida pela experiência de um povo
colonizado em armas. Progressivamente, o essencial do debate aberto no decurso
da primeira fase desta luta pelo reconhecimento universal dos valores negros
foi considerado como ultrapassado. A
independência dos países africanos, fazendo recuar as fronteiras do
colonialismo europeu numa área muito importante do continente, veio levantar
outras questões aos homens de cultura africanos enquanto senhores dos destinos
dos seus países e responsáveis pela vida cultural. É assim que na hora actual,
por pouco que se sigam as revistas culturais africanas, o centro do debate se ordena
em torno de temas novos: como assegurar o renascimento cultural nos países
antigamente colonizados, que lugar reservar à tradição, em suma: como elaborar
uma cultura africana original que tenha em conta ao mesmo tempo a tradição e a aquisição da civilização moderna? Não nos
aventuremos por estas discussões.
Evoquei estes problemas não para encontrar um esquema mas para tentar
situar o tema que me proponho desenvolver num contexto geral bem conhecido. Não
me vou demorar a demonstrar o mecanismo que conduziu ao aniquilamento das
culturas tradicionais em Angola, mas tentarei antes mostrar como uma política
de assimilação afeiçoada à maneira lusitana agravada por um regime fascista
suscitou as reacções nacionalistas entre os escritores angolanos». In
Mário Pinto Andrade, Um Intelectual na Política, coordenação de Inocêncio Mata,
Edições Colibri, Lisboa, 2000, ISBN 972-772-188-5.
Cortesia de Colibri/JDACT