segunda-feira, 10 de junho de 2013

A Vida Breve. Poesia. «Ah! falta quem o lance ao mar, e alado torne seu vulto em velas; peregrino frescor de afastamento, no divino amplexo da manhã, puro e salgado. Morto corpo da acção sem vontade que o viva, vulto estéril de viver, boiando à tona inútil da saudade»

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Aguário
Que idade
tem o rio?
Sua infância flui
sempre menimesma.
Sua voz permanece azul,
água aberta, alçapão
por onde o tempo perde a voz
e o imenso se faz imerso.

Fumo molhado
que todos bebemos
crença que aprendemos:
a vontade do rio
morrendo eterna no infinito.

Pássaro:
quem decepou tuas raízes?

Terra fluida
e transparente,
margem e leito
se invertem no percurso
até, o mundo.

Ser um rio de águas lentas,
sólidas e sonolentas
tão devagarosas
que escapam da moldura do tempo.


Pequeninura do morto e do vivo
O morto
abre a terra: encontra um ventre.

O vivo
abre a terra: descobre um seio.


Versos para a Patrícia
Ilha
Tenho a sede das ilhas
e esquece-me ser terra.
Meu amor, aconchega-me
meu amor, mareja-me.
Depois, não
me ensines a estrada.

A intenção da água é o mar
a intenção de mim és tu.

Véspera
Há um perfume
que trabalha em mim
e me acende,
antigo,
sobre a poeira.

Há um rosto
que regressa à fonte
água readormecendo.
E só hoje reparo
o labor das nuvens
corais solares
arquitectando o céu

Pássaros brancos
vão pousando
na varanda dos teus olhos.
Só hoje enfrento o sol
fogo imóvel,
labareda de água.

Andemos, meu amor,
de coração descalço sobre o sol.

Poemas de Mia Couto, in ‘Raiz de Orvalho’

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