terça-feira, 4 de junho de 2013

Eduardo Brazão. Em Demanda do Cataio. A Viagem de Bento de Goes à China 1603-1607. «… se gravadas no pórtico de Ceuta, princípio da grande empresa. Cruzada cristã, em primeiro lugar e definindo a acção portuguesa, o que não exclui os interesses materiais da expansão, a miragem das riquezas do Oriente»

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As Descobertas Portuguesas
«(…) Os Mings iam isolar o Grão-Cataio de Polo do Ocidente, que durante longas décadas tinha vivido no sonho daqueles descritivos famosos do Veneziano, aclarados na confirmação durante o período a que poderemos talvez chamar de Montecorvino. Agora, as distâncias já longas ainda se afastavam mais.
Mas, na Península Ibérica, um povo bem preparado na luta e na fé não desistiria do intento. Se o Cataio era visão que se alongava, havia outros mundos mais perto a descobrir para evangelizar, era o princípio do mesmo caminho, mas que se ia construir de novo em bases firmes, seguras. A ideia do serviço de Deus era o dístico verdadeiro da acção que íamos exercer. Vinha impresso na alma medieva de Portugal, naquele alvorecer para o primeiro passo da expansão cristã que foi Ceuta bem escolhido pórtico de tão alta empresa. Não fora dali que sete séculos antes partira a  invasão de Tarik, o infiel, sobre a terra cristã de Isidoro de Sevilha e de Frutuoso Braga?
Percorramos o dizer dos cronistas que souberam elevar o grande estandarte da obra portuguesa. Assim eles revelaram com verdade aquele sentir bem profundo que foi a grande- força que abriu caminhos na aparência impossíveis de transpor e que explica exuberantemente essa transformação de homens em gigantes.
O rei João I, hesita no abrir a página do maior capítulo da História de Portugal e do Mundo. Escrúpulos que logo Zurara explica:
  • Ca todo seu principal movimento foy per serviço de Deos e grande desejo que tinha de emmendar alguüa cousa se a contra vontade de Deos no tempo da guerra passada.
Logo os filhos, a Ínclita Geração, ansiosos daquele começo do grande capítulo, atalhavam:

Por quanto vos por vossa jnleicam propria sem constrangimento de nenhuüa pessoa vos ofereceis a este perigo e trabalho nam põr outra neçesiidade senão por serviço de Deos e por acresçentamento de vossa honrra.

Mas o Mestre de Avis insiste sempre:
  • quero primeiramente saber se esto he serviço de Deos de se fazer, ca por muy grande honrra nem proueito que se me delle possa seguir se nom achar que he serviço de Deos nom entendo de o fazer, porque somente aquella cousa he boõa e onesta na qual Deos jnteiramente he seruido.
E volta a afirmar aos teólogos e letrados que reúne à sua volta:
  • ajnda que entendesse de cobrar todo o mundo por meu, como eu sentisse que em alguüa parte nam era serviço de Deos, eu o nam teria por vitoria nem o faria por nenhuüa guisa.
Não estará aqui, nestas palavras reais, toda a explicação da obra portuguesa no Mundo? Elas ficariam bem se gravadas no pórtico de Ceuta, princípio da grande empresa. Cruzada cristã, em primeiro lugar e definindo a acção portuguesa, o que não exclui os interesses materiais da expansão, a miragem das riquezas do Oriente. Logo Ceuta, como prova a inscrição no atlas de Abraham Cresques, certamente já conhecido entre nós, era caminho que podia levar ao falado oiro de Mandinga». In Eduardo Brazão, Em Demanda do Cataio, A Viagem de Bento de Goes à China, 1603-1607, Gráfica Imperial, 2ª edição, Lisboa 1969.

Cortesia de Gráfica Imperial/JDACT