Inocêncio II e o juramento de vassalagem de Afonso Henriques
«(…) Fazia parte do tradicional labor dos legados mandados à
Península restabelecer a paz entre os príncipes desavindos e uni-los contra o
inimigo comum ao sul. Guido deve ter recebido idêntica incumbência.
Estavam tensas as relações entre Castela e Portugal. Sem que se pudesse aduzir
sempre razão positiva para cada caso particular, o que é certo é que se tinha
chegado a repetidos choques e expedições guerreiras de vário resultado; Afonso VII
de Castela e Afonso Henriques de Portugal haviam por fim feito tréguas por
alguns anos em 1140. A situação
tornou-se porém de novo tensa, devido a Afonso Henriques haver tomado o título de rei. Nesta altura
tomou o cardeal Guido nas suas mãos a mediação a favor da paz,
evidentemente para ajudar o seu novo protegido. Houve um encontro de ambos os
reis e do cardeal em 4 e 5 de Outubro de 1143
em Zamora, onde se concluiu paz duradoira, e parece que Afonso VII chegou a reconhecer
o título de rei a Afonso Henriques.
Com isto terminam os principais sucessos deste pontificado
que para Portugal foi o mais importante de todos. Tanto o entendimento sobre a
organização do episcopado português como a introdução em Portugal da instituição
dos conventos isentos, tributários do papa e seus protegidos: tudo isto se deu
no tempo de Inocêncio II; o seu legado foi o primeiro a desenvolver aqui
uma intensa actividade eclesiástica e política, e deixou o rei português como
feudatário da Cúria. O lucro daqui derivado para a Cúria foi puramente de ordem
moral, mas como tal de grande importância. Demonstrava sobretudo da maneira
mais enérgica que o rei de Portugal queria fazer a sua política de harmonia com
o papado e que o extremo ocidente do orbis christianus havia firmado mais
as suas relações com a Igreja romana.
Claro que quando Afonso Henriques depôs nas mãos do legado
papel o juramento de vassalagem, já não vivia a pessoa a quem o juramento se
referia: o papa Inocêncio II. O
seu sucessor, Celestino II, morreu também pouco tempo depois, de maneira que
aconteceu vir a tratar-se da questão do enfeudamento de Portugal à Cúria só no
tempo de Lúcio II.
A luta contra o primado de Toledo
É facto curioso mas fora de toda a dúvida, que a cúria se não
mostrou absolutamente satisfeita com o enfeudamento de Portugal. O aumento de
influência o prestígio daí derivado, aceitou-o ela de boa mente. Mas o conteúdo
político de toda a acção contrariava a política espanhola seguida então pela
cúria com bastante coerência. Lúcio II, como a maior parte dos seus imediatos
predecessores e sucessores, punha-se do lado da potência ibérica mais forte,
isto é: do lado do reino unido de
Castela e Leão. Afonso VII de Castela usufruía valimento muito especial
junto dos papas, valimento que se manifestava não só na concessão da Rosa de Oiro
e em muitas cartas honrosas e amigas, mas também e sobretudo em medidas e
atitudes políticas. Em Roma considerava-se como sendo a principal tarefa, que
incumbia a todos os príncipes espanhóis o avanço contra o Islam e julgava-se que seria mais facilmente atingida esta
finalidade, se os diversos príncipes, em vez do se combaterem mutuamente, se
unissem sob uma direcção superior comum e, pelo menos em grandes acções e em
caso de necessidade, constituíssem um só exército de comando único.
Praticamente, significava isto apoio às pretensões do predomínio sobre Aragão,
Navarra e Portugal, mantidas com maior ou menor êxito por Afonso VII.
Esta política não a queria abandonar Lúcio II, mesmo depois do preito de
vassalagem prestado por Afonso Henriques».
In
Carl Erdmann, O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa,
Universidade de Coimbra, Instituto Alemão da Universidade de Coimbra, Coimbra
Editora, 1935.
Cortesia de Separata do Boletim do Instituto Alemão/JDACT