segunda-feira, 24 de junho de 2013

O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa: Carl Erdmann. «Assim surgiu para o arcebispo João Peculiar uma boa oportunidade de pôr em ordem a situação na Cúria. Como portador da notícia dos grandes progressos do exército cristão e da nova fundação de três bispados. Esta situação resolveu ele aproveitá-la para nova viagem a Roma»

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A luta contra o primado de Toledo
«(…) Apesar-de tudo não podia Lúcio II destruir o facto de, pelo juramento de vassalagem prestado pelo rei português, ter sido prejudicada a soberania de. Castela sobre Portugal. Também o rei Afonso VII de Castela não deixou de apresentar o respectivo protesto à cúria por esse motivo, como sabemos pela resposta de Eugénio III, de 27 de Abril de 1148.

NOTA: Por que razão só tantos anos depois ouvimos falar desta queixa do castelhano, não é do meu conhecimento. Herculano julgava que o juramento de vassalagem teria tido lugar secretamente e que Afonso VII não soubera de nada durante muito tempo. Esta opinião parece-me, porém, insustentável. Pelo menos os portugueses não tinham nenhum interesse em tal segredo, e a Conferência de Zamora, em Outubro de 1143, pressupunha, claramente, o juramento de vassalagem. A presença do arcebispo de Toledo na corte de Lúcio III, na ocasião em que se respondia à carta de enfeudamento e se ordenava ao arcebispo de Braga obediência ao primaz, fala também contra a suposição de ter sido mantido secreto o juramento.

Afonso VII queixava-se de que o papa tinha aceitado do rei de Portugal, ou lhe tinha concedido, coisa pela qual os direitos de Castela eram prejudicados, alusão clara ao tributo feudal. Embora Eugénio III repelisse tal queixa como injustificada e procurasse reconciliar-se com o rei de Castela, concedendo-lhe a rosa de oiro: para Portugal havia agora sempre, na situação criada, a possibilidade de jogar a Cúria contra Castela. Afonso Henriques, por seu lado, não caiu em revogar o juramento de vassalagem, invocando as condições postas. Nada lucrava em romper com a Cúria; esforçou-se antes por alcançar da Cúria mudança de política e o reconhecimento da independência portuguesa, graças ao prosseguimento da sua atitude de então.
Primeiro que tudo, era mister concluir a luta no campo eclesiástico: a sujeição de Braga a Toledo, portanto da igreja portuguesa à castelhana, procuravam os portugueses evitá-la por todas as formas possíveis. À volta desta questão concentram-se agora as relações de Portugal com o papado. O arcebispo João de Braga, conservou-se anos seguidos surdo às indicações do papa, depois do seu regresso de Roma. Emprazado por Lúcio II para apresentar as suas objecções contra as pretensões de primazia do arcebispo de Toledo, não respondeu à citação. Então ordenou-lhe Eugénio III, a 9 de Maio de 1145, que prestasse obediência canónica ao arcebispo Raimundo de Toledo dentro de três meses, ameaçando-o de suspensão, caso desobedecesse. Porém, nem assim: o arcebispo João negou obediência e não se incomodou com a suspensão em que caiu, continuando sossegadamente a exercer as suas funções arquiepiscopais.
Era jogo inseguro, este; mas o tempo veio em socorro do arcebispo. Porque o ano 1147 produziu mudança na situação. Em Março daquele ano Afonso Henriques tomou de assalto a importante praça de Santarém, na margem do Tejo; em Outubro caiu-lhe nas mãos a cidade de Lisboa com a ajuda duma frota de cruzados. Com estas duas conquistas sofreu o território português notável alargamento, o que se reflectia também na organização eclesiástica. Já pela tomada de Santarém ficara assegurado o bispado de Coimbra, e assim chegara o momento em que este bispado deixara de ter pretensões à administração das dioceses de Viseu e Lamego. Afonso Henriques procedeu por isso logo à restituição de ambos aqueles bispados.

NOTA: A relação entre a reocupação de Viseu e Lamego e as conquistas do ano de 1147 ainda não foi considerada. Coloca-se quase sempre no ano 1144; porém o mais antigo documento comprovativo da existência dos bispos de Viseu e Lamego, que pude encontrar, é só do Verão de 1147, isto ó: o contrato feito com os cruzados no começo do cerco de Lisboa (na carta do cruzado inglês sobre a conquista de Lisboa. Também havia já do ano de 1147 um documento de Odorius de Viseu (Biblioteca Municipal de Viseu) A ocupação dos dois bispados deu-se porém ao mesmo tempo; porque segundo a inquirição testemunhal de 1182 (Arquivo Distrital de Braga, Gav. de arcebispos n. 4 e 7), Odório de Viseu foi sagrado em Tuy, Mendo do Lamego e João de Coimbra foram sagrados na catedral de Coimbra.

Além disso, fez ocupar a sé episcopal de Lisboa, logo após a sua conquista, por um dos próprios cruzados, o clérigo inglês Gilberto. Claro que também este novo bispo foi sagrado pelo arcebispo de Braga que tomara parte na conquista de Lisboa, e a ele prestou obediência, mandando também ao sínodo de Braga no começo do ano seguinte um representante. Mas toda a gente sabia que o velho bispado de Lisboa nunca pertencera à província eclesiástica de Braga, mas à de Mérida, o que agora portanto devia ficar adstrita à de Santiago. Por consequência, não podia Braga, sem resolução papal nesse sentido, manter os seus direitos sobre Lisboa. Pelo menos também quanto aos bispados de Viseu e Lamego foi conveniente que o metropolita anunciasse a sua reocupação e os confirmasse como seus bispados sufragâneos.
Assim surgiu para o arcebispo João Peculiar uma boa oportunidade de pôr em ordem a situação na Cúria. Como portador da notícia dos grandes progressos do exército cristão e da nova fundação de três bispados, podia contar com boa recepção; esta situação resolveu ele aproveitá-la para nova viagem a Roma». In Carl Erdmann, O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa, Universidade de Coimbra, Instituto Alemão da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1935.

Cortesia de Separata do Boletim do Instituto Alemão/JDACT