«(…) Estava-se a entrar numa nova dimensão da política. As ideias do
século não eram para os indivíduos, eram feitas para as grandes massas, para as
multidões nos comícios, para uma forma de paixão arregimentada e sectária, ao
mesmo tempo anónima e ultrapessoalizada nos líderes, (…) no culto da
personalidade dos pais dos povos e
dos homens de aço. De Itália à Alemanha,
do Japão à URSS, em toda a Europa, na China e na Índia, todos os ismos estão à solta. As guerras civis de
ideologia preparam-se ou multiplicam-se, as guerras de expansão e império vão
atravessar todo o mundo. De Espanha à Abissínia, os homens vão pagar um preço
elevado em sofrimento e miséria em nome de ideias. Mas essas ideias são ideais
para a geração nascente, e ideais irrecusáveis.
O impacto dessas novas ideias políticas nascidas no pós-guerra, da
crise económica e social, é enorme. Comunismo e fascismo não deixavam
ninguém indiferente, e as formas moderadas burguesas
da política democrática eram tão violentamente atacadas por uns como por
outros. O cabeçalho da revista Ordem
Nova, dirigida por Marcello Caetano, que se proclamava antiliberal, antidemocrática,
anticapitalista, anticomunista, antitotalitária e antimaçónica, traduz bem,
no seu radicalismo, o espírito da época entre as duas guerras. Há dois campos,
há dois exércitos, e cada um tem que escolher, alistar-se e combater. Tudo ia
no mesmo sentido. A formação dos indivíduos, a formação integral do indivíduo, como escrevera Bento
de Jesus Caraça, fazia-se pelo compromisso e pela acção. Não estávamos
em tempos de contemplação, e, na cultura política emergente, polarizada por
estes contrários que se eliminavam um ao outro, a violência era inevitável.
Um jovem formado nestes anos é
inevitavelmente dilacerado por uma política que se apresenta como total,
comprometedora, pretendendo arrancar todos os homens, do homem
qualquer ao intelectual, à
passividade e à inacção. Toda a literatura que um jovem ilustrado lia
não tinha outro tema que não fosse esta obrigação do compromisso, o dever de
participar, a necessidade de cerrar fileiras e a obrigação de ser fiel aos seus
ideais. Os intelectuais que marcaram a juventude na década de trinta comprometeram-se
quase todos na luta política, e esse compromisso é a marca do seu tempo. Foi
nestes anos que a herança de Zola se viu integralmente cumprida, já não na figura de uma atitude de
responsabilidade individual face a valores ou princípios, mas como um acto de
pertença a um destino colectivo. Esta diferença vai ser essencial
porque o compromisso, agora, é com a História, com uma ou outra
interpretação contraditória da História.
Quer sejam o sangue e a raça, ou a classe e a revolução, está à solta
entre os jovens uma força profunda que falava em nome da História. Quando, mais
tarde, se vêm juntar os romances sociais de Jorge Amado, de Gorki,
de Istrati, os romancistas americanos da Depressão, com as suas
veementes denúncias da injustiça, da exploração, da realidade trágica da
miséria, encontram o terreno preparado pelos autores do compromisso, os próceres
literários da obrigação moral do envolvimento.
Uns incentivam a atitude, outros fornecem a causa. O resultado é, em primeiro
lugar a atitude de obrigação face à História, a que se acrescenta
depois a consciência da desigualdade e da pobreza. Antes de serem revoltados sociais, os jovens que nestes anos se
aproximam do comunismo aceitam uma atitude face à Historia, que nalguns deles evolui para uma filosofia face
à História: a da predestinação
marxista».
In Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal, Uma Biografia Política, ‘Daniel’, O
Jovem Revolucionário, 1913-1941, Temas e Debates, Lisboa, 1999, ISBN
972-759-150-7.
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