Dona Inês de Castro
«(…) D. Inês de Castro, a protagonista deste drama, pertencia à mais
alta nobreza espanhola, pois era de sangue real, de real linhagem, já que era filha ilegítima dum grande fidalgo da Galiza,
Pedro Fernandez, a quem chamavam o da
Guerra, e bisneta do rei Sancho IV de Castela. Era aparentada com a melhor
nobreza peninsular, e pelo facto de o ser por bastardia não diminuía grandemente
a sua condição e qualidade, segundo os critérios da época. Todo este parentesco
se explica.
Como as famílias dos reis e grandes senhores dos reinos peninsulares se
costumavam ligar entre si por casamentos, em qualquer época medieval havia sempre
laços de sangue a unirem as famílias reinantes e a alta nobreza, pois todos
eles eram aparentados uns com os outros. De facto, as suas árvores genealógicas
estavam entrelaçadas, quase emaranhadas, e era vulgar entre casais reais
existirem tataravós comuns.
A Igreja, que por várias razões objectava a estes casamentos consanguíneos,
procurava evitar casamentos entre primos de grau próximo, mas era assiduamente
solicitada pelos grandes senhores peninsulares para que lhes desse dispensa papal, de forma a poderem
consorciar-se com familiares muito próximos. Pode dizer-se que, de uma maneira
genérica, eram quase todos primos uns dos outros.
Nestas circunstâncias, não é de espantar que D. Inês de Castro fosse
prima mais ou menos afastada das personagens principais envolvidas no seu drama
de amor, pois todos eles, por uma ou outra via, descendiam de Fernando III, o Santo, e de seu filho Afonso X, o Sábio, ambos reis de Castela. Segundo
uma versão, D. Inês de Castro foi criada por D. Teresa Sanches,
viúva de Afonso Sanches, o filho bastardo do rei Dinis, a quem o pai favorecera com largos bens. Estas doações deram
depois origem à guerra que houve entre este rei e seu filho, futuro Afonso IV.
Essa grande senhora, que queria a D. Inês como se sua filha fosse, vivia
em Castela, na vila de Albuquerque, uma localidade na raia espanhola, próximo da vila portuguesa de Campo Maior.
Outra versão diz-nos que D. Inês de Castro nascera na Galiza
e fora criada nos paços do infante João Manuel, um grande senhor galego, neto
do rei Fernando III, o Santo. Este
fidalgo tinha uma filha, de nome Constança, com a qual D.
Inês de Castro acabou por vir a ter alguma intimidade, pois quando essa
princesa casou com o infante Pedro, acompanhou-a até Portugal como dama do seu
séquito. Era hábito antigo uma princesa viver rodeada de um séquito de
fidalgas, umas da sua idade e outras mais velhas, que a atendiam e acompanhavam,
para lá de alguns fidalgos e da sempre presente criadagem que executava os
serviços domésticos.
Estes pequenos séquitos acompanhavam as princesas quando elas casavam
no estrangeiro, formando o núcleo da sua corte, e é dentro de um grupo desses
que D.
Inês de Castro vem viver para Portugal acompanhando D.
Constança. Ora foi desta situação de intimidade que resultou o romance
e eventualmente a tragédia. Não se sabe a data do nascimento de D. Inês de
Castro, mas deveria ser muito jovem quando veio viver para a corte portuguesa.
Beldade loira, de pele branca, transparente, ganhou na corte o epíteto poético
de a
do Colo de Garça, pois a sua alvura de pele, acentuada pelo loiro dos
cabelos, dava-lhe o tipo acabado de beleza que estava em moda na época.
Naquele tempo o ideal de beleza feminina era a alvura e a transparência
da pele, e isso traduzia-se no dizer-se que a perfeição seria atingida quando uma dama deixasse transparecer através
da garganta o vinho que bebia, como se se tratasse de um rosado líquido
derramado sobre um vaso de cristal. Por esta razão, na época as damas não
usavam pinturas nem outros cosméticos, apenas perfumes, e protegiam-se do sol o
mais que podiam para preservar a brancura da pele. D. Inês de Castro teria sido
criada e educada nos paços de D. Teresa Sanches ou nos de João Manuel (ou em
ambos), em diferentes fases da sua vida. Entra pois em Portugal e na História
ao lado de D. Constança, a quem irá trair ao roubar-lhe o afecto do marido.
Esta ligação amorosa redundou depois em amor profundo, e finalmente numa paixão
desvairada que desencadeou o drama fatal que a iria imortalizar.
Descoberto um caso de adultério entre o infante Pedro e D. Inês de
Castro, ela foi logo expulsa da corte e do país, mas o romance entre ambos não
acabou aí. Por morte de D. Constança, esposa legítima do infante, D. Inês regressou
a Portugal, sem autorização do rei, Afonso IV e passou a viver com o infante
Pedro longe da corte, em aberta mancebia, o que causava escândalo público, envergonhava
a família real e suscitava críticas da população, o murmurar do povo, (que) o
velho pai (Afonso IV) respeitava,
como nos diz Camões.
O desenrolar deste romance atraiu a Portugal os irmãos de D. Inês,
Álvaro Pires Castro e Fernando Pires Castro (o primeiro era filho bastardo de Pedro Fernandez, o da Guerra, e o
segundo seu filho legítimo). Estes dois fidalgos, ambiciosos,
envolvidos na intriga política que grassava em Castela, logo procuraram
aproveitar-se da situação de favoritismo da irmã para arrastar o infante Pedro
a envolver-se no fervilhar de intrigas e guerras que afligia o país vizinho. Não
se sabe até que ponto D. Inês de Castro estaria envolvida nestas aventuras, mas
é de suspeitar que ela não fosse estranha às intrigas, o que veio a ser a sua
desgraça».
In Luís de Camões, Linda Inês, O Episódio Inesiano n’ Os Lusíadas,
História de um Amor Fatídico, Introdução e Paráfrase de Jorge Tavares, Mel
Editores, 2009, ISBN 978-989-635-069-7.
Cortesia de Mel Editores/JDACT