quinta-feira, 15 de agosto de 2013

A Bela Poesia. O Guardador de Rebanhos. Alberto Caeiro. «Não acredito em Deus porque nunca o vi. Se ele quisesse que eu acreditasse nele, sem dúvida que viria falar comigo e entraria pela minha porta dentro dizendo-me, Aqui estou!»

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O Guardador de Rebanhos
[…]
Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores
a de serem verdes e copadas e de terem ramos
e a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
a nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
que é a de não saber para que vivem
nem saber que o não sabem?

Constituição íntima das coisas...
Sentido íntimo do Universo...
Tudo isto é falso tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em coisas dessas.
É como pensar em razões e fins
quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores
um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.

Pensar no sentido íntimo das coisas
é acrescentado, como pensar na saúde
ou levar um copo à água das fontes.
O único sentido íntimo das coisas
é elas não terem sentido íntimo nenhum.

Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
sem dúvida que viria falar comigo
e entraria pela minha porta dentro
dizendo-me, Aqui estou!

(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
de quem, por não saber o que é olhar para as coisas,
não compreende quem fala delas
com o modo de falar que reparar para elas ensina.)

Mas se Deus é as flores e as árvores
e os montes e sol e o luar,
então acredito nele,
então acredito nele a toda a hora,
e a minha vida é toda uma oração e uma missa,
e uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.

Mas se Deus é as árvores e as flores
e os montes e o luar e o sol,
para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
porque, se ele se fez, para eu o ver,
sol e luar e flores e árvores e montes,
se ele me aparece como sendo árvores e montes
e luar e sol e flores,
é que ele quer que eu o conheça
como árvores e montes e flores e luar e sol.

E por isso eu obedeço-lhe,
(que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?),
obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
como quem abre os olhos e vê
e chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
e amo-o sem pensar nele,
e penso-o vendo e ouvindo,
e ando com ele a toda a hora.
[…]

Parte do Poema de Alberto Caeiro (Fernando Pessoa), in ‘Poesias
ISBN 978-972-617-195-9

A amizade da Mafalda Landeiro
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