sábado, 31 de agosto de 2013

O Martírio do Infante Santo e a Expansão Portuguesa (Século XV). Renata Sousa Nascimento. «Outra grande entusiasta da memória relativa ao Infante Santo e a sua sacralização enquanto personagem central e mártir de Fez foi a “duquesa Isabel de Borgonha”, ‘sua irmã’. Esta foi responsável pela difusão do culto ao Infante Fernando»

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 O Martírio do Infante Santo e a Expansão Portuguesa (Século XV)
«(…) Os dois cronistas mais importantes sobre o início da expansão marítima são Gomes Zurara e João Álvares. Álvares, de modo especial, é a principal fonte sobre a vida e morte do Infante Santo.

A maior intersecção discursiva, entre esses cronistas, aborda a motivação da expansão ultramarina portuguesa. Segundo eles, toda história dos descobrimentos era explicada por duas noções básicas, o serviço a Deus e a expansão da fé católica. Expressões desse mesmo campo semântico aparecem em todas as crónicas trabalhadas, com grande recorrência. Ceuta, segundo Zurara, fora conquistada para expandir a fé cristã e expulsar o inimigo muçulmano do norte da África. O discurso é o mesmo em relação à expedição de Tânger, na crónica do frei João Álvares. É interessante sublinhar que tanto Zurara quanto frei João Álvares estavam escrevendo praticamente no mesmo período, a década de 1450, sob tutela do rei Afonso V e também do Infante Henrique, que tinham um projecto bem definido sobre a África. Portanto, a temática dos descobrimentos em ambos os autores está directamente ligada a uma sacralidade que visava consolidar esse projecto de conquista do norte da África.

João Álvares e o Martírio do Infante Santo
Primeiramente é importante situarmos o contexto histórico a que pertence o cronista para depois passarmos à análise específica da fonte. Frei João Álvares é natural da vila de Torres Novas, foi moço da Câmara do infante Fernando e depois seu secretário. O frei tomava parte nas cerimónias do culto que se realizavam na capela do Infante ou na própria câmara. Acompanhou-o na malfadada derrota de Tanger, sendo ao lado do infante, cativo dos mouros. O Infante morreu em Fez em 5 de Julho de 1443 onde haviam sido transferidos os cativos de Tanger. João Álvares foi testemunha de seu sofrimento e de seus últimos momentos de vida na cidade de Fez.
O cronista foi resgatado em 1448, cinco anos, portanto após a morte de Fernando. Foi autor do Trautado da Vida e Feitos do Muito Vertuoso Sor Iffante D. Fernando, mais conhecido como Crónica do Infante Santo, que compôs entre 1451 e 1460. Tendo vivido na intimidade do Príncipe, frei João Álvares dispunha de informes preciosos acerca de seu biografado. Acompanhara-o na sua juventude e, sobretudo, viveu com o Infante Fernando nas horas amargas do cativeiro, recebendo-lhe as últimas confidências.
Após alguns anos de seu retorno a Portugal foi convidado em 1451 para ingressar na Casa Henriquina e, a pedido do Navegador e do rei Afonso V (1448- 1481) redigiu o texto da crónica. Outra grande entusiasta da memória relativa ao Infante Santo e a sua sacralização enquanto personagem central e mártir de Fez foi a duquesa Isabel de Borgonha sua irmã. Esta foi responsável pela difusão do culto ao Infante Fernando e enquanto pôde trabalhou incansavelmente por sua beatificação e futura canonização junto ao papa Paulo II. Promovia diariamente o culto a seu irmão, inicialmente em sua capela e depois em Guimarães e Lisboa. Segundo Cristina Sobral a duquesa D. Isabel de Borgonha não só assume o papel de defensora da santidade do irmão, mas, provavelmente, tornou-se a principal divulgadora de sua vida sacrifical e de sua morte na Europa. Conforme Fontes (2000) a obra de João Álvares deve ser vista como uma hagiografia, contendo todos os elementos discursivos comuns a esta forma de narrativa. Deter-nos-emos aqui na edição de frei Jerónimo Ramos, versão actualizada em 1730».

In Renata Sousa Nascimento, O Martírio do Infante Santo e a Expansão Portuguesa, Século XV, Universidade Federal de Goiás, Anais do XXVI Simpósio Nacional de História, ANPUH, São Paulo, 2011.

Cortesia de ANPUH/JDACT