Envolvimento e importância sócio-cultural do monumento
«A Fonte das Bicas é, com todo o merecimento, o ex-libris de Borba e, sem dúvida, o
monumento mais amado pela população local. Apesar de ser um monumento recente,
datando dos finais do século XVIII, já se teceram várias lendas em torno da
fonte. Por exemplo, é tradição local que cada uma das bicas da fonte se
destina a cada uma das idades da população:
- a da direita aos solteiros,
- a do meio aos casados,
- a da esquerda aos viúvos.
E que quem daquela água beber nunca mais abandona Borba. Assim,
a Fonte
das Bicas assume um papel de união da população e de vínculo à terra
natal. A Fonte das Bicas é utilizada, desde o início do século XX, em inúmeros
emblemas e logotipos, sintoma de que é o monumento mais identificativo do
concelho. Contudo, a sua importância transcende claramente o nível local ou
regional, já que foi classificada como Monumento
Nacional logo nas primeiras classificações, pelo decreto de 16 de Junho
de 1910.
Esta importância excepcional do ponto de vista artístico foi logo, em 1907, referenciada pelo autor da primeira
e única monografia exclusivamente dedicada a Borba, o padre António
Joaquim Anselmo, ao afirmar: a fonte
da praça D. Amélia, vulgarmente Fonte das Bicas, é uma edificação que no seu
género não encontra facilmente igual em todo o paiz.
Túlio Espanca, autor do estudo mais aprofundado que existe de momento
sobre Borba, afirma que: das
várias fontes que abasteceram a vila, antigamente, esta é, sem contestação, a
mais importante e sumptuosa de todas, excedendo mesmo, em monumentalidade e traça
arquitectónica as suas congéneres, coevas, da província transtagana. A Fonte
das Bicas assume, assim, especial importância, tanto para a população
local, como para a comunidade científica, merecendo, desta forma, o apreço dos
primeiros e o estudo dos segundos.
A importância da água na vila de Borba e os antecedentes da Fonte das
Bicas
A vila de Borba situa-se num local rico em água, elemento essencial
à vida e à cultura dos alimentos. Esta abundância originava, como nos relata,
em 1758, o padre da igreja matriz, Estêvão
Matos d'Oliveira Castro, que cada habitação tivesse o seu quintal, com
respectivo poço: de excellente ágoa de
que uzão os moradores para beberem e regarem suas hortaliças. Além dos
poços urbanos, a vila possuía também diversas fontes públicas, das quais se
destacava a Fonte dos Finados, construída em frente à igreja matriz de
Nossa Senhora do Soveral: digna do melhor
mérito e estimação, por que conforme a observação dos médicos, além de serem as
suas ágoas muito puras e saborosas, são as mais salutíferas do continente.
A localização desta Fonte dos Finados aparece muito próxima à actual
Fonte
das Bicas, devendo a sua história ser analisada, para melhor se
compreender a génese do actual monumento implantado na Praça da República.
Através dos livros de actas das vereações da Câmara Municipal de Borba, é
possível reconstituir este percurso. O cuidado do município pelas fontes e pelo
abastecimento de água ao núcleo urbano é uma constante na história de Borba. Em
1703, a Câmara Municipal juntou a
nobreza e povo de Borba para decidir o que fazer com o dinheiro que revertia para
a Câmara com a contratação das sisas, tendo-se decidido aplicar o referido
dinheiro na reparação das fontes: e
porquanto neste prezente anno de mil e setesentos e três na rematasão que se
fes do dito comtrato das Sizas se fes com condisão que tirado o próprio pertensente
à Fazenda Real, os mais que sobrase se gastaria em obras utens e nesesárias ao
bem commum deste povo e porquanto elles ditos abaixo asinados emtendião que a
obra mais comua e nesessária ao bem comum deste povo hera o reedificarem-se as
fontes que nelle há thé donde chegar a dita quantia que s'obrigou do próprio,
porquanto estas estão imcapases de se poderem usar dellas porque mais sam
charcos que fontes de cujo uso as pesoas que dellas usão lhe hé motivo e
preiudisial.
Os estragos nas fontes da vila eram originados pela sua grande
utilização, pois, além de servirem os populares, saciavam a sede aos forasteiros
e às suas cavalgaduras, além de servirem para lavar a roupa e regar as terras: e como outrosim visem que de se fazer a
ditta obra rezultava grande comodo e utilidade não somente aos moradores desta
villa e pasageiros que por nella fazem caminho mas que também pellas ágoas que
se ande descobrir que andáo perdidas rezultava cómodo às fazendas foreiras a
Sua Magestade que tem giros como também para os gados da tapada real».
In João Miguel Simões, A Fonte das Bicas, Centro de Estudos Documentais
do Alentejo, Edições Colibri e CEDA, Lisboa, 2002, ISBN 972-772-344-6.
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