quarta-feira, 25 de setembro de 2013

As Navegações e a sua Projecção na Ciência e na Cultura. Luís Albuquerque. «No entanto, entre 1510 e 1520, os Portugueses conseguiram penetrar no mar Vermelho, enviar uma embaixada à China, atingir as Molucas, preparar uma embaixada ao “Preste João” …»

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A descoberta do mundo pelos Ibéricos
«(…) O plano de Albuquerque estava por isso condenado a fracassar; mas é necessário reconhecer que a sua política na Índia marcou uma época, uma vez que foi seguida por governadores, vice-reis e capitães que lhe sucederam até João de Castro; este governador defendeu, em primeiro lugar, o monopólio do domínio dos mares, como já atrás disse. Numa carta ao rei João III explicava que os Portugueses não deviam pensar na ocupação de terras e apresentava como argumento a falta de apoio dado pelos Guzarates aos Mamelucos, quando estes cercaram pela primeira vez Diu, em 1538; os Mamelucos traziam cavalos nas suas frotas e os Hindus pensavam com razão que os cavalos não são feitos para atacar portos, mas sim para conquistar terras (reproduzo as palavras de Castro). Contudo, depois das dificuldades com que se debateu quando do segundo cerco a Diu (Abril-Novembro de 1546), sobretudo no que respeitava à formação de um exército capaz de vencer as forças inimigas, mudou de opinião e, numa carta escrita ao rei, afirmou achar que os Portugueses deviam conquistar uma área relativamente extensa na península indostânica, a fim de darem pequenas parcelas de terra aos homens que vinham de Portugal e ai instalarem colónias capazes de fornecer um número suficiente de soldados sempre que se apresentassem situações difíceis, como aquela que acabava de atravessar.
A mesma ideia foi retomada anos mais tarde por João Mascarenhas, capitão de Diu-fortaleza quando do segundo cerco. Este homem, que foi glorificado depois da vitória de Novembro de 1546, pretendia que 10000 portugueses, comandados pelo irmão do rei, o príncipe Luís, estivessem à altura de invadir a Índia e, vencendo todos os reis do Indostão, instalassem definitivamente o poder de Portugal no Oriente. Este plano foi proposto num documento ainda inédito e foi apresentado precisamente na altura em que o futuro de Portugal na Índia se mostrava lá bastante sombrio!

Fiz este desvio pela Índia, mas volto de imediato ao meu propósito. Podemos dizer que, após dez anos de permanência no Oriente, os Portugueses estavam em condições de prosseguir o descobrimento do mundo oriental. As duas primeiras tentativas de conquistar Ormuz e Malaca fracassaram. No entanto, entre 1510 e 1520, os Portugueses conseguiram penetrar no mar Vermelho, ocupar as duas cidades já citadas, enviar uma embaixada à China, atingir as Molucas, preparar uma embaixada para enviar ao Preste João (que fracassou em consequência da morte do embaixador Duarte Galvão, razão pela qual só visitaram a corte do fabuloso rei depois de 1520) e enviar navios a Java e outras ilhas produtoras de especiarias, hoje integradas na Indonésia; aproximadamente vinte anos mais tarde, chegaram ao Japão. Não falo da Austrália, que Mac Intyre, numa obra recente, pretende ter sido visitada antes de 1530, uma vez que as razões em que se baseia esta tese são bastante duvidosas e estão a ser neste momento objecto de severas críticas.

Para além da documentação que prova estes factos, existem textos deveras interessantes a respeito de um mundo que a Europa conhecia de uma forma bastante incompleta, e mesmo incorrecta, através dos escritos que relatam viagens realizadas no decurso da Idade Média. Deixo de lado os cronistas, cujas obras, na minha opinião, não foram ainda objecto das análises que exigem. Com efeito, sabemos que os cronistas foram corrigidos a fim de transmitirem ao leitor apenas o que era conveniente; os casos de Lopes de Castanheda e de Damião de Góis são bem conhecidos. Temos o direito de supor que o cronista pode ter, no decorrer do seu trabalho, o cuidado de ocultar todas as indicações de factos menos exemplares; e dispomos da contraprova desta tendência na crónica existente na British Library, publicada há doze anos apenas. Não se destinava certamente a ser impressa e dá, acerca de alguns factos ocorridos no início da ocupação portuguesa da Índia, explicações ou interpretações totalmente diferentes ou mesmo contrárias às de Barros, Castanheda, Góis e Correia.
No entanto, para além desta literatura por vezes suspeita, existe uma outra que merece o nosso crédito como testemunho de factos realmente ocorridos. Não me refiro aos roteiros, embora estes escritos náuticos constituam talvez o mais rico legado do período dos Descobrimentos; esses escritos, que dão uma descrição sistemática e objectiva das costas, têm um carácter técnico; quer dizer que cada geração de pilotos ou marinheiros era levada a prosseguir o trabalho e a aperfeiçoar os textos; eles tiveram, sem dúvida, a sua origem nos portulanos mediterrânicos, mas melhoraram-nos e acrescentaram-nos; em duas décadas cobriam uma extensão de milhares de quilómetros das costas de África, da Ásia e da América; suponho que, para o conhecimento do descobrimento do mundo pelos Ibéricos, este corpus de textos constitui uma recolha preciosa que não foi ainda estudada de uma forma satisfatória pelos especialistas». In Luís Albuquerque, As Navegações e a sua Projecção na Ciência e na Cultura, Gradiva, Colecção Construir o Passado, 1987.

Cortesia de Gradiva/JDACT