domingo, 8 de setembro de 2013

Ensaios. Sobre a História de Portugal. Vitorino Magalhães Godinho. «Mesmo com um cronista dos movimentos colectivos, Fernão Lopes, o quadro não podia deixar de ser traçado pela subida ao trono e morte soberanos, Pedro I, Fernando I, João I»

jdact

A Divisão da História de Portugal em períodos
«Em 1864 publica-se um Novo epítome da História de Portugal, que é adoptado pelo Conselho Geral da Instrução Pública para uso das escolas. É seu autor António José Viale, do Conselho Real, sócio da Academia das Ciências, professor do Curso Superior de Letras e conservador da Biblioteca Nacional. Este compêndio abre assim: A história de Portugal pode dividir-se em cinco períodos. E enumera-os: o 1.º, anterior à existência de Portugal como estado independente; o 2.º compreende a 1.ª dinastia, desde 1095 a 1385; no 3.º ocupa o trono a dinastia de Aviz, e vai de 1385 a 1580; o 4.º é o da usurpação filipina; o 5.º, desde 1640, é o da casa de Bragança.
Entre outros, cita Herculano, nas notas de fim de volume. Ora, nas Cartas sobre a História de Portugal, em 1842, Herculano sublinhara já que a folhinha de algibeira dividia o catálogo dos reis em quatro dinastias, e que assim resume e representa o estado da ciência histórica do nosso país (carta IV). Num Compêndio historico do reino de Portugal do final do século XVIII não se utiliza a divisão em dinastias, mas, desde que se entra realmente na matéria, os cortes seguem a sucessão dos reinados. O programa de História para o ensino primário elementar, de 1929, embora não destaque a divisão em reinados, pode dizer-se que periodiza consoante a série cronológica dos reis de cada dinastia. É claro que tal programa, nas mãos de alguém com sentido didáctico e a par de grandes colecções históricas estrangeiras, corno foi Chagas Franco; permite relegar para fim de volume essas séries e dividir a matéria na seguinte disposição: 1) Origens da nacionalidade; 2) Alargamento do território; 3) Organização do País; 4) Expansão além-mar; 5) Esplendor e decadência; 6) Domínio dos Filipes; 7) Restauração e consolidação da independência; 8) Engrandecimento do poder real; 9) As ideias liberais e a monarquia constitucional.
Mas a trama tradicional tende a prevalecer noutras realizações, e como não tenderia, se uma das duas grandes Histórias de Portugal, a de Fortunato Almeida, à série cronológica dos reis adapta a sua tessitura? O tomo I vai até 1383, é a 1.ª dinastia, o 2.º até 1580, dinastia de Aviz, pois; subsequentemente, consideram-se como períodos 1580, ainda uma mudança dinástica a 1816, repare-se que sem corte em 1640, mas os oitenta anos precedentes podem qualificar-se de usurpação, e 1816 a 1910, data em que acabam as dinastias. A data de 1816 é escolhida, em vez de 1820, por exemplo, não para arrancar o derradeiro período dos anos que prepararam a revolução liberal, mas sim porque é o ano da morte de D. Maria I, que o autor reconhece todavia que perdera o uso da razão. Não se poderia querer prova mais cabal do tradicionalismo do critério adoptado; se percorrermos os volumes que tratam da história política de cada período, verifica-se que o critério único é o dos reinados sucessivos. Uma obra destinada ao grande público mas a que não faltam certos méritos e da autoria de três historiadores reconhecidos (todos colaboradores da Barcelos), a História de Portugal de Ângelo Ribeiro, Newton Macedo e Hernâni Cidade, dedica o 1.º tomo às origens e 1.ª dinastia, o 2.º torno à dinastia de Aviz e aos Filipes, o 3.º à dinastia de Bragança até à morte de D. Maria I, o 4.º vai de João VI a 1920; naqueles três segue-se a ordem dos reinados.
Vemos, portanto, que de longa data e até muito recentemente, prevaleceu, na narrativa da história portuguesa, a arrumação das matérias em grandes divisões por dinastias e, dentro destas, por reinados. Herdaram-se de tal guisa os quadros fixados há séculos, quando a tarefa histórica era de encomenda régia e se destinava a glorificar o soberano e consolidar o seu poder, colocando-o no centro da vida nacional e como mola que a move toda. A primeira grande compilação de crónicas data de alturas de 1420 e, embora ligada ao círculo do então infante Duarte, é o resultado do ambiente novo gerado pela revolução de 1385, com a nova monarquia a organizar-se verdadeiramente em Estado de direito público. São de então as chamadas Crónica dos Cinco Reis e Crónica dos Sete Reis,  compilações de crónicas dos reinados de Afonso Henriques a Afonso IV (no segundo caso).
Mesmo com um cronista que tem como nenhum outro o sentido dos movimentos colectivos, Fernão Lopes, o quadro não podia deixar de ser traçado pela subida ao trono e morte dos vários soberanos, Pedro I, Fernando I, João I, incluindo os reis anteriores ao primeiro. Em 1535-1536 Cristóvão Rodrigues Acenheiro elabora ou reúne os Sumários e alembrança das Corónicas dos Reis de Portugal: o próprio título indica que, desde o conde Henrique até João III, o autor sumaria os acontecimentos repartindo-os pelas governações dos reis».

In Vitorino Magalhães Godinho, Ensaios, Sobre a História de Portugal, Livraria Sá da Costa, Lisboa, 1ª Edição, 1968.

Cortesia LSdaCosta/JDACT