As três colunas da Cultura Portuguesa. Entrevista com António Cândido
Franco
«(…)
Oponhamos ao catolicismo, não a
indiferença ou uma fria negação, mas a ardente afirmação da alma nova, a
consciência livre, a contemplação directa do divino pelo humano (isto é, a fusão do divino e do humano), a filosofia,
a ciência, e a crença no progresso, na renovação incessante da humanidade pelos
recursos inesgotáveis do seu pensamento, sempre inspirado. In Antero
de Quental
Paulo: Li o seu artigo, Oliveira Salazar e a Filosofia Portuguesa, publicado
na Teoremas de Filosofia 2, que considero do maior interesse por evidenciar a
existência de três colunas da cultura portuguesa do século XX e, tão importante
como isso, por assinalar que o seu tronco central, que em grande medida pode
ser associado à Renascença Portuguesa, movimento a que pertenceram grandes
amantes da portugalidade como Teixeira
de Pascoaes e Jaime Cortesão,
não pode, em abono da verdade, ser conotada com a filosofia e a política que
inspirou o Estado Novo. Se me permite, citarei dois parógrafos desse artigo: a
cultura portuguesa do século XX é constituída por três braços ou colunas. A
coluna da esquerda é representada pelo magistério de António Sérgio e pelo desejo de progresso social. A coluna da
direita aparece orquestrada pela actividade pública de António Sardinha e pela batalha da ordem política. A coluna
central da cultura portuguesa do século XX foi malignamente esmagada pelos
violentos encontrões da direita e da esquerda, que preferiram disputar entre si
a seiva da árvore, mesmo com risco de the secarem as raízes, a reconhecerem o
tronco central donde medraram.
Pedia-lhe que, de forma sucinta,
transmitisse aos nossos leitores, como surgiu e quais os objectivos do chamado
movimento da Renascença Portuguesa...
António: A Renascença
Portuguesa tem que ser contextualizada no 5 de Outubro de 1910. A associação é fundada em 1911, em Coimbra, e aparece como um
desejo de refundação cultural da Pátria portuguesa: a Renascença Portuguesa,
quer dizer o renascer de Portugal. Aí é preciso perceber que,
paralelamente, está a haver uma refundação do regime político em Portugal, que
representa um novo património de esperanças, numa alteração daquilo que seria o
futuro de Portugal, através da República. A Renascença aparece como o escol cultural
que visa oferecer um suporte filosófico a essa refundação do regime, oito
séculos depois da fundação histórica de Portugal. Teixeira de Pascoaes, Leonardo
Coimbra, Jaime Cortesão, Augusto Casimiro, António Sérgio e Raul Proença são o
grupo fundador da Renascença Portuguesa.
Paulo: Portanto, quando eles denominam o seu movimento como Renascença,
fazem-no com base na origem de Portugal.
António: É com base na
origem em 1140, 1120 ou em 1096, como quisermos.
Oito séculos depois, no século XX, a Renascença Portuguesa sente a necessidade
de refundar, de recriar de propiciar um segundo parto a Portugal. O objectivo
está aqui consagrado.
Paulo: Isso vem um pouco na sequência da análise já efectuada por Antero de
Quental, que se queixa de Portugal nos últimos séculos ter sido governado
por estrangeirismos, quer dizer ter perdido o seu génio próprio. Inverter essa
tendência foi uma necessidade do escol da Renascença?
António: Certo. Apesar de no
Antero de Quental não estar a identificar tanto isso. No Antero de Quental
que escreveu as Causas da Decadência do Povos Peninsulares, vejo sobretudo a
crítica do atraso português em relação à Europa.
Paulo: Antero, mais precisamente, critica de forma mordaz o catolicismo romano
pós-tridentino como elemento descaracterizador dos povos peninsulares. Por
outro lado, refere-se muito à falta de iniciativa...
António: É a falta de
iniciativa, o recuo que Portugal tem em relação à Europa e a necessidade de
europeizar Portugal. Isso é o Antero das Causas da Decadência dos Povos Peninsulares.
No entanto, há no Antero todo um desejo de renovação que influenciou muito a
geração da Renascença Portuguesa. Saliente-se que entre a geração da Renascença
Portuguesa, do Pascoaes ao Raul Proença, e a geração de 70 de que o Antero
é uma das grandes estrelas, há uma geração intermédia a que podemos chamar a
geração de 90. É, a geração que faz o 31 de Janeiro, a primeira
revolução republicana do Porto; é a geração do Sampaio Bruno, do António Nobre,
do Alberto de Oliveira, do Basílio Teles, do Raul Brandão e do Justino de Montalvão.
Digamos que o Raul Brandão, o Sampaio Bruno e o António Nobre são as três
personalidades marcantes, um na prosa, outro no verso e o outro
no pensamento. É muito importante ter em atenção que a geração da
Renascença vai herdar uma dupla herança, a herança da geração de 70, que
é muito europeizante, muito critica, e a herança da geração de 90, que, depois
do Ultimatum,
apareceu muito recentrada no esforço interno.
Paulo: As pessoas hoje ouvem falar com frequência nos Vencidos da Vida.
Ora aí temos um pouco a geração de 70…
António: Os Vencidos da
Vida são a geração de 70 apanhada no cruzamento da geração de 90. E, ante
ela, o Antero, o Eça e o Oliveira Martins sentem-se vencidos pela vida;
vencidos pelas ideias da geração do Sampaio Bruno e do António Nobre e porque
nunca conseguiram, no fundo , realizar aquilo a que se tinham proposto nas Conferências
do Casino». In Paulo Loução, A Alma Secreta de Portugal, Ésquilo Edições &
Multimédia, 2004, ISBN 972-8605-15-3.
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