As Lendas Arturianas. A Matéria da Bretanha. A Evolução
«(…) A próxima etapa tem lugar com a composição do poeta normando Wace,
o Roman de Brut, terminado em 1155 e dedicado à nova rainha da Inglaterra,
Leonor da Aquitânia. Aqui já aparece a Mesa-Redonda
à qual se deu esta forma para evitar problemas de precedência com relação à
hierarquia social da corte. Esta concepção deve-se provavelmente à crença, corrente
na época, de que a mesa em que Cristo e seus apóstolos 'tomaram a Santa Ceia
era de forma circular, muito embora Loomis mencione uma tradição celta
semelhante como núcleo possível da mesa arturiana. De qualquer forma, basta visitar
as citânias galaico-portuguesas para constatar-se a preferência dada à forma circular
pelos povos celtas. O poema de Wace, baseado na História de Geoffrey of Monmouth,
e escrito em francês, tenta dar à lenda uma feição artística e cortês, uma vez que
era destinado aos nobres da corte e produzido sob o patrocínio do rei Henrique
II. Por volta de 1200 o poema de Wace
é traduzido para inglês, em versão ampliada, pelo poeta Layamon que, ao contrário
do primeiro, cuja característica principal tinha sido a descrição colorida da
corte arturiana, vai dar ênfase especial ao aspecto dramático e emocional da
história. O estilo é elaborado e os conflitos emocionais são sugeridos através do
uso de símiles e do discurso indirecto. Entre as várias adições que Layamon
acrescenta ao texto de Wace, uma das mais interessantes é a que se refere à Mesa-Redonda.
Ele conta que durante uma cerimónia em presença do rei e da rainha iniciou-se
violenta discussão a respeito de quem teria precedência sobre quem, o que levou
a brigas e derramamento de sangue. Artur condena à morte o iniciador da
contenda e seus parentes masculinos, e determina que se cortem os narizes a
todas as mulheres da família.
Para resolver o impasse, um carpinteiro da Cornualha fabrica uma mesa
redonda que poderia acomodar mais de 1600 comensais ao mesmo tempo, mas que era
suficientemente leve para ser transportada a onde quer que o rei fosse. A
partir desse dia nunca mais houve brigas na corte por questões de hierarquia.
Esta adição parece ter origens bretãs. Com Chrétien de Troyes a lenda arturiana
atinge uma expressão artística dificilmente igualada em versões posteriores. Da
vida do poeta sabe-se muito pouco. Através de indicações e dados coligidos em
suas obras foi possível estabelecer as décadas entre 1150 e 1190 como o
provável período de sua actividade literária sob a protecção de benfeitores importantes.
Do seu labor artístico ficaram-nos as seguintes obras:
- Erec et Enide;
- Cligès;Lancelot ou Le Chevalier de la Charrette;
- Yvain ou Le Chevalier au Lion;
- Guillaume d'Angleterre;
- Perceval ou Il Contes del Graal.
Entre estes romances o Perceval
sobressai-se pela característica de ser a primeira obra em que a lenda do Graal
aparece ligada à corte do rei Artur. O livro divide-se em três partes:
- uma relação sumária dos sucessos acontecidos com o herói na infância e adolescência até sua passagem pela corte arturiana e aventuras subsequentes culminando com os episódios relativos a Blanchefleur;
- quatro episódios que tratam exclusivamente do Graal;
- como que colocando Perceval e o tema do Graal de lado, um relato das aventuras de Gauvain.
A história do Graal fica incompleta, pois o conto é interrompido antes
que o herói volte ao castelo do Rei Pescador pela segunda vez. Entretanto, ela
é continuada por quatro autores distintos:
- Um anónimo (antigamente designado como pseudo-Wauchier que acrescenta entre 9500 a 19600 versos aos 9234 usualmente aceites como de autoria de Chrétien;
- Um segundo autor anónimo (anteriormente identificado corno sendo Wauchier de Denain) com mais 13000 versos;
- Manessiet, ao serviço da condessa Joana de Flandres, que acrescenta 10445 versos;
- Gerbert de Montreuil que termina com 17000 versos.
In Almir Campos Bruneti, A Lenda do Graal no Contexto Heterodoxo do
Pensamento Português, Sociedade de Expansão Cultural, Lisboa, 1974.
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