Palavras de um soldado
… Ao
presidente do tribunal de guerra, no acto do julgamento: Eu, meu senhor, não sei
o que é a República, mas não pode deixar de ser uma cousa santa. Nunca na
igreja senti um calafrio assim. Perdi a cabeça então, como os outros todos.
Todos a perdemos. Atirámos então as barretinas ao ar. Gritámos então todos: -
Viva! Viva, viva a República! Do Manifesto dos Emigrados da Revolução do Porto
de 31 de Janeiro de 1891.
O 31 de Janeiro (Porto, 1891)
«O
movimento de 31 de Janeiro filia-se no ultimatum
de 1890. A revolta militar de 31 de Janeiro de 1891 caracterizou-se
pela precipitação com que foi decidida e a pouca ou nenhuma reserva com que foi
organizada. Durante meses uma parte do país teve conhecimento quase minucioso
de que se conspirava contra a monarquia e que na conspiração entravam elementos
de importância recrutados na oficialidade dos regimentos que a guarneciam. No
entanto a explosão patriótica, que na madrugada de 31 fez triunfar por algumas
horas a bandeira verde e vermelha, surpreendeu muita gente porque apenas uma
insignificante minoria não julgava extemporâneo o rebentar da bomba. A causa única do movimento podemo-la filiar no ultimatum de 1890. Por espaço de
um ano, a agitação popular, que essa chicotada diplomática provocara nos
primeiros instantes agitação que, no dizer de João Chagas, trouxera pela
primeira vez para a rua, a manifestarem-se, homens
graves e de chapéu alto, por espaço de um ano, repetimos, essa agitação
minou profundamente diversas camadas sociais e fez aumentar por uma forma
extraordinária o descontentamento da nação, a sua hostilidade contra o regime
monárquico e o soberano. Viu-se claramente, nesse momento grave da vida
portuguesa, que, ao substituir-se o ministério abatido pelo ultimatum, o novo governo procurara
antes de mais nada deitar uma escora ao trono, desprezando em absoluto as
reclamações do povo, a sua grita sedenta de justiça.
Calcara-se
a pátria para sustentar no poder o monarca brigantino. A dignidade da nação, o
seu anseio fervoroso de que o ultimatum
obrigasse a politica governativa a mudar de processos, a trabalhar com seriedade,
uma e outro foram espezinhados pelo empenho dos áulicos da monarquia em precavê-la
da marcha progressiva das ideias democráticas. Dai o êxodo para o partido
republicano de muitos dos homens que até então tinham tentado servir os
partidos monárquicos com boa-fé e dedicação. Na medida do possível esse período
da história contemporânea, cujos incidentes, voltamos a afirmá-lo, fizeram germinar
o pensamento da revolta e contribuíram directamente para que ela rebentasse no Porto no dia 31 de janeiro de 1891.
Por agora limitaremos o nosso papel de modesto e desataviado cronista da Revolução
Portuguesa a descrever o que ocorreu em Lisboa mal se soube da momentânea vitória
das armas republicanas. É interessante recordar as horas de mortífera
espectativa que a capital sofreu, enquanto a várias léguas de distância um
troço de valentes se fazia massacrar pela chamada guarda pretoriana.
Nas vésperas da revolta, os jornais de Lisboa ainda reflectiam quase toda a
indignação e a celeuma causadas pelo ultimatum.
A poucas horas de ser iniciado o movimento, os Pontos nos ii inseriam uma página faiscante de Bordallo
Pinheiro, intitulada A maldita
questão ingleza. As perseguições a diferentes oficiais do exército sucediam-se
com uma pertinácia feroz. No dia 30 de Janeiro, um jornal, aludindo à que fora movida
ao alferes de caçadores 9, aquartelado no Porto, Simões Trindade,
salientava o facto curioso desse oficial ter sido, em 27 daquele mês, mandado
apresentar imediatamente no quartel-general
da respectiva divisão; depois, dai, mandado seguir, imediatamente, para o ministério da guerra; daqui apresentado imediatamente no quartel-general da 1.ª
divisão, onde tinham acabado por lhe dar uma guia afim de se apresentar, imediatamente também, no regimento de infantaria
24, aquartelado em Pinhel. Os jornais do Porto, confirmando esse furor
persecutório, acrescentavam que a violência das autoridades militares incidia
especialmente sobre os oficiais inferiores. Surgiu a manhã de 31 e com ela principiaram a circular em
Lisboa os boatos alarmantes. Um deles, talvez o primeiro e o que mais
consistência adquiriu desde logo no espírito do público, dizia: - No Porto, às seis horas, os regimentos de
caçadores 9 e infantaria 10 e parte de infantaria 18, saindo dos quartéis,
dirigiram-se à praça da Regeneração, soltando vivas à Republica. O movimento
tende a alastrar-se. A guarda municipal quis opôr-se-lhe; mas, depois duma descarga
dada por caçadores 9, e da qual morreram 12 soldados daquela guarda, os outros
aderiram aos revoltosos. A seguir, correu que a primeira autoridade militar
do Porto pedira de madrugada reforço à guarda pretoriana, mas que ela se
recusara peremptoriamente a combater as tropas sublevadas. Dizia-se também que
toda a guarnição se solidarizara com os insurrectos». In Jorge D’Abreu, O 31
de Janeiro de 1891, Porto, Biblioteca Histórica, A Revolução
Portuguesa, Edição da Casa Alfredo David (encadernador), Lisboa, 1912.