«(…) Julgamos ainda conveniente recordar Monteiro Lobato que, nas suas
cartas ao seu amigo Godofredo Rangel, confessa a sua admiração pelo escritor Camilo
Castelo Branco, e na epístola de 7 de Dezembro de 1915 faz um alerta: acho o Eça
o culpado de metade do emporcalhamento da língua no Brasil, onde o lido e o
imitado é só ele, ele e mais ele. E quando fala sobre estilo literário, Lobato
aproveita para criticar as imitações: fugir
sobretudo da maneira do Eça, a mais perigosa de todas, porque é graciosíssima e
muito fácil de imitar. Cigarro lânguido, Caneta melancólica, Tinteiro
filosófico. Cumpre ressaltar, entretanto, que a imagem que desse
testemunho se colhe é de uma crítica madura, onde Lobato enfatiza a
impropriedade do pensamento brasileiro.
De facto, a imitação e o aproveitamento indevido dos escritos alheios foram
temas debatidos em larga escala no início do século XX, no Brasil. Lima
Barreto (1881-1922), no seu Diário íntimo questiona se seria
saudável para o Brasil a influência dos portugueses: não é o Eça, que inegavelmente quem fala português não o pode ignorar, são
figuras subalternas: Fialho e menores. Ainda no que respeita à admiração de
Lima Barreto por Eça de Queirós,
cabe mencionar a personagem Isaías Caminha que, no início do sexto
capítulo do livro Recordações do escrivão Isaías Caminha, confessa que lê, entre
outros, o Eça, para descobrir o
segredo de fazer romances. Interessante, ainda, é um inquérito elaborado por
Gilberto Freyre que deu origem ao livro Ordem e Progresso. Trata-se de uma
série de perguntas que Freyre enviou para diferentes pessoas, de norte a sul do
Brasil, nascidos entre 1850 e 1900, cujos depoimentos foram recolhidos
pelo autor para servir a tentativas de interpretação da nação brasileira dos
séculos XIX e XX, momento crucial de consciência da identidade cultural
brasileira. No que diz respeito à literatura, o resultado do estudo é claro:
Eça de Queirós, continuaremos a ver que foi tanto como Alencar e Bilac uma
dessas preferências da parte dos brasileiros requintados, do Norte ao Sul do
País, que, como preferências nacionais em sua extensão e em sua significação,
concorrem para unificar a aristocracia intelectual do Brasil em torno dos
mesmos cultos ou de iguais devoções.
Ou seja, segundo Freyre, Eça de
Queirós, semelhante a um novo santo
sobre os seus devotos, contribui para a unificação da elite brasileira do
início do século XX. Porém, parece que não foram só os brasileiros ilustrados
que leram Eça. O escritor Antonio Cândido ao tentar explicar o porquê da
existência do culto queirosiano,
afirma que a projecção do escritor foi vasta: Eça atingiu até os incultos, pois é destes raros escritores eminentes dotados de
uma inteligibilidade que os torna acessíveis aos graus modestos de instrução.
A utilização da caricatura é outro motivo apontado por Antonio Cândido para o
sucesso dos escritos queirosianos no Brasil. Mas, quando Eça utiliza uma
espécie de lógica fantasiosa que emprega um exagero caricatural, Cândido
reconhece que este refinamento nem sempre foi compreendido pelos brasileiros.
Uma análoga explicação para o fenómeno é avançada por Eduardo Lourenço que, no
texto Nós e o Brasil: ressentimento e
delírio, enfatiza a incompreensão mútua das duas culturas, assinalando
porém a presença ímpar do escritor no universo brasileiro: talvez o grande êxito de Eça no Brasil possa explicar-se por um humor,
um brilho que o Brasil não tinha então, mas igualmente pela perspectiva
satírica que foi a sua da realidade portuguesa. Outra justificação para a
popularidade de Eça em terras de Vera
Cruz é sustentada por Massaud Moisés, que vê no brasileiro uma
aptidão nata para acolher de braços abertos tudo o que o vincule à Europa. Para
finalizarmos este brevíssimo estudo, cumpre ressaltar que a investigação acerca
do significado da presença de Eça de
Queirós no âmbito cultural brasileiro nos remete ao carácter moderno e
crítico de sua obra». In Adriana Mello Guimarães, Ecos de Paris: A
moderna presença de Eça de Queirós no Brasil, Universidade de Évora, Escola
Superior de Educação de Portalegre, LusoSofia press, A Belle Époque Brasileira,
CLEPUL, Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias, Faculdade de
Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-8577-15-3.
Cortesia de CLEPUL/JDACT