Luta obstinada pela
Independência
Os condes Raimundo e Henrique firmam aliança secreta para se apoderarem
da herança de Afonso VI
«(…) Se as coisas corressem como os condes de Portugal e da Galiza
calculavam, o conde Henrique ficaria dominando a sul toda a fronteira
muçulmana, bem como os distritos contíguos da margem direita do Tejo e em boa posição
para alongar as suas invasões pelo Al-Gharb e a Andaluzia. Mas, nestas
engenhosas combinações em que tudo preveem, os mortais nunca incluem o único
elemento certo e inevitáve1: a morte. Raimundo, falecendo no ano seguinte,
1107, transtornou profundamente os
planos de Henrique, inutilizando o bem elaborado pacto secreto. Por outro lado,
Sancho, o filho querido do monarca, pereceu em luta contra os mouros, junto das
muralhas de Uclés, em 1108, o que conferiu
automaticamente a D.Urraca os direitos de sucessão ao trono do pai. Afonso VI,
com cuja morte todos contavam, só veio a falecer em Toledo, em 1109, inconformado com a falta de
Sancho, o seu filho predilecto, que a formosa Zaida lhe dera e em quem ele
depositara tantas esperanças. As pedras do xadrez da Espanha cristã, com esta mudança
brusca e imprevista, iam dar ensejo a outra movimentação no jogo dos interesses.
Todos os meios, mesmo os condenáveis, serviam ao conde Henrique para se
engrandecer
Como a morte de Raimundo desmanchara os bem urdidos planos secretos que
tantas vantagens trariam ao conde Henrique, parece que este ainda tentou obter alguma
coisa do monarca seu sogro, cujo falecimento se previa para muito breve. Urraca
achava-se a um passo do trono. Mal o pai deixasse de existir, Henrique
converter-se-ia de seu aliado que fora em simples vassalo. Seria essa situação
que o Bolonhês pretenderia evitar. Não o conseguiu, como claramente se depreende
do decurso dos acontecimentos. Furioso, abandonou a corte de Toledo, com o
sogro ainda vivo. Quase em seguida, o grande monarca falecia, não sem ter tido
tempo de declarar única herdeira da coroa sua filha Urraca, viúva do conde
Raimundo. Estava aceso o rastilho para a explosão dos conflitos que, naqueles
tempos, se sucediam habitualmente à morte de um rei. As ambições latentes
erguiam-se em labaredas altas de furiosas lutas entre os que se sentiam
ansiosos por desfrutar ou partilhar das delícias do poder supremo. Como de costume,
também, o inimigo muçulmano aproveitava o ensejo para tirar partido das dissensões
dos cristãos, tal como estes não deixavam de tentar obter vantagens das
desavenças entre os maometanos. Assim, os mouros de Sintra, que eram vassalos e
tributários do conde Henrique, trataram logo de revoltar-se. Mas o conde,
marchando resoluto sobre eles, reduziu-os à obediência e puniu-os com
severidade.
Entretanto, ao findar o ano 1109,
a rainha D. Urraca, com plena concordância de seus súbditos, tomava posse dos
Estados de Leão e Castela, dos quais era vassalo o condado Portucalense.
Henrique não suportava a suserania da cunhada. A apetecida independência
parecer-lhe-ia agora mais longínqua. Disposto a obtê-la pela força, já que não
a lograra pela astúcia, partiu em 1110
para França, no intuito de aliciar homens de armas que o ajudassem a
concretizar os seus sonhos. A história, porém, é muito escassa de informes
acerca do que sucedeu ao conde de Portugal no seu país de origem. Sabe-se que o
prenderam. Mas, porquê, ignora-se. Contudo, Henrique pôde evadir-se em 1111 e, regressando à Península,
encaminhou-se para o reino de Aragão. Dois anos antes, em fins de 1109, D. Urraca, cujo temperamento
sensual as crónicas nos denunciam, custando-lhe suportar a viuvez, casou em segundas
núpcias, apesar da má vontade de alguns fidalgos e do clero, com Afonso I, rei
de Aragão. Parece que este fora mais talhado para a guerra do que para o amor.
Brutal por índole, entediavam-no as doçuras do lar. Por seu lado, a
rainha depressa verificou que não conseguia subjugar o marido como dominava
quase toda a gente. As discórdias particulares dos cônjuges breve se transformaram
em conflitos políticos. O clero, que a1iás sempre se declarara contra aquele casamento,
obteve que o papa decretasse o divórcio, baseando a nulidade do enlace no
parentesco dos esposos em grau proibido. Por seu turno, os fidalgos galegos
rebelaram-se contra Afonso I, alegando que a sua autoridade régia era nula,
devido a uma disposição testamentária de Afonso VI que estabelecia que, no caso
de Urraca contrair segundas núpcias, ficasse reinando na Galiza seu neto Afonso
Raimundes. Por esta doutrina estava disposta a bater-se a nobreza galega,
chefiada por Pedro Froilaz, conde de Trava». In Mário Domingues, D. Afonso
Henriques, Evocação Histórica, edição da L. Romano Torres, Lisboa, 1970.
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