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Portugal e a nova relação de forças no Atlântico. Um plano estratégico
naval conjunto, Portugal e Marrocos?
«(…) Em Abril de 1901, o
diplomata austríaco, conde de Hohenwart, escrevia de Tânger referindo a
influência crescente do ministro alemão, barão de Mentzingen, junto do sultão,
a fim de obter influência germânica sobre pontos da costa atlântica marroquina,
Mogador e Malabata: … desde que o
barão de Mentzingen tomou a cargo os interesses alemães em Marrocos, o
consulado alemão constitui o centro da política europeia em Marrocos. (...) Durante
a sua curta estada o ano passado na côrte, o representante alemão não só obteve
resposta satisfatória para todas as suas reclamações, como também conseguiu que
o sultão aceitasse exigências de há anos, de interesse geral. Permita que
saliente a este respeito, tendo em conta o relatório anterior, os seguintes
assuntos: as questões de saneamento em Mogador e Malabata, a
apresentação dos respectivos custos, a questão de cabo Espartel e a da ponte (...).
Hohenwart salientava ainda os interesses comerciais alemães, concluindo
que, em caso de que as potências europeias tivessem que tomar decisões sobre o
futuro de Marrocos, a Alemanha teria tantos direitos como a Inglaterra e a
França a pedir compensações: (...) Se um
dia o destino de Marrocos vier a ser decidido e vier a constituir um factor de
igualdade com a Inglaterra e a França, [a Alemanha] imporá os seus interesses,
rápido e bem adquiridos, assim como a sua poderosa palavra.
Significativamente, já em 1900,
Bülow revelava muito interesse em que o Acordo Anglo-Alemão sobre a Baía
de Delagoa, sob controlo português, na província de Lourenço Marques, (actualmente
Maputo) em Moçambique, fosse incluída a questão marroquina. As duas
questões aparecem aqui nitidamente juntas no mesmo plano alemão de compensações:
… não me admiraria se as novas
configurações [políticas] ocasionadas pela guerra na África do Sul estimulassem
a ideia de Chamberlain de chegar a um acordo concreto com a Alemanha sobre a
Baía de Delagoa, em bases já antes acordadas, em que possivelmente Marrocos
fosse então introduzido. A estratégia alemã parece clara: obter pontos
navais no Atlântico, nomeadamente em Marrocos, utilizando a conjuntura
desfavorável à Inglaterra da Guerra dos Boers. Assim a questão da Baía de
Delagoa, porto e caminho de ferro, que para os Britânicos era uma questão
prioritária, já que por aí pretendiam cortar a passagem de armas para o
Transvaal, é utilizada por Berlim para levar os Ingleses a fazerem-lhe
concessões. Note-se que as negociações anglo-portuguesas sobre o controle da Baía
de Delagoa e sobre o caminho de ferro de Lourenço Marques, tinham já sido
dificultadas pela Alemanha, que apresentara um protesto segundo o qual estas
negociações não podiam ser concluídas sem ter em conta os interesses alemães.
Chegados tarde ao scramble for Africa
(corrida colonial) os Alemães optaram por uma estratégia de intervir em
toda questiúncula colonial para depois pedir compensações, principalmente no
que dissesse respeito a boas bases marítimas, portos e baías.
As negociações anglo-alemãs sobre as colónias portuguesas, que tinham
sempre subjacente a questão da dívida portuguesa, serviam não só interesses alemães
em Angola (Baía dos Tigres) e Minas de Otávi, mas também nas ilhas
atlânticas assim como na questão marroquina (pontos navais na costa
Atlântica de Marrocos). Se os Ingleses tinham a ilusão de satisfazer
modestamente os Alemães na compra da
sua neutralidade na questão boer, a verdade é que os Alemães só estavam
dispostos a deixar os Boers à sua sorte e permitir que os Portugueses
facilitassem os Ingleses o terem influência na região da Baía de Delagoa, se
lhes fossem concedidos pontos estratégicos na costa atlântica africana como a
Baía dos Tigres, no sul de Angola, e Walfisch Bay, na África ocidental alemã,
assim como na costa marroquina. Mas as negociações anglo-alemãs tornam-se
difíceis sob o lema salisburiano: Pede
demasiado em troca da sua amizade.
O interesse alemão no Atlântico português
A política inglesa tinha sido, durante séculos, a de manter a dualidade
peninsular, impedindo qualquer tentativa que pudesse pôr em causa a integridade
de Portugal continental ou ultramarino, afim de assegurar para si a influência
no Atlântico. Assim, na sua ambiguidade diplomática, a Inglaterra renovava a
sua aliança com Portugal, em 1899,
na Declaração de Windsor, que
contudo mantinha secreta. Mas no que diz directamente respeito, no âmbito deste
estudo, à questão das ilhas atlânticas, e mais concretamente da Madeira, o
facto relevante é a exigência inglesa,
a partir de 1898, de retirar das negociações da dívida
portuguesa com os credores externos (que se prolongam até 1902) os rendimentos das ilhas atlânticas.
Assim o pagamento da dívida era garantido exclusivamente pelos rendimentos das
alfândegas do Continente». In Gisela Medina Guevara, As Relações
Luso-Alemãs antes da I Guerra Mundial, A Questão da Concessão dos Sanatórios da
ilha da Madeira, Faculdade de Letras de Lisboa, Edições Colibri, Lisboa, 1997,
ISBN 972-8288-70-0.
Cortesia Colibri/JDACT